Problema pode ser tratado com medidas como reposição de nutrientes, terapia cognitiva comportamental e orientação para uma atividade física adequada
Classificada como uma condição de cansaço ou exaustão que prejudica o desenvolvimento das atividades diárias, sem resultados nas estratégias habituais de recuperação de energia – como descansar, dormir e relaxar – a fadiga é um sintoma presente em indivíduos com algumas enfermidades crônicas, entre as quais as doenças inflamatórias intestinais (DII).
Estudos mostram que o problema é um que mais prejudicam os pacientes com DII na fase de atividade inflamatória, embora também possa atingir indivíduos com a doença em remissão. Com prevalência em até 50% nesses pacientes, as mulheres e os indivíduos com doença de Crohn tendem a sentir mais fadiga do que homens e pessoas com retocolite ulcerativa.
Além do comprometimento físico provocado pela DII nas fases inflamatórias, existem outras causas de fadiga, como estados persistentes de ansiedade, alteração no padrão de sono e de vigília, efeito colateral de algum medicamento e anemia residual após a fase inflamatória.
A fadiga é frequentemente relatada pelos pacientes como uma sensação de cansaço constante e há queixas de falta de energia ou pouca disposição, desânimo ou dificuldade de mobilização para iniciar tarefas simples, exaustão desproporcional para algum tipo de esforço físico comum, assim como falta de melhora do estado de fadiga depois do repouso.
Alguns pacientes também se queixam de dificuldade de concentração para atividades intelectuais. “Quando o processo inflamatório está ativo há naturalmente um comprometimento orgânico ou nutricional mais significativo, afetando a capacidade física do paciente”, detalha o médico gastroenterologista Marco Zerôncio, do Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil (GEDIIB).
A etiologia da fadiga em pacientes com DII e outras doenças permanece desconhecida, mas há um consenso de que o problema é multifatorial. Pesquisadores apontam que a liberação de citocinas no organismo eleva o estado inflamatório intestinal e pode contribuir para o surgimento ou agravamento da fadiga.
Alguns hormônios como o cortisol, por exemplo, que são liberados durante as fases ativas da DII, contribuem para o surgimento do problema. Estudos mais recentes têm trabalhado com a hipótese de que a fadiga em pacientes com DII também pode ser uma possível consequência de alterações na microbiota intestinal – conjunto de microrganismos presente no interior do tubo digestivo.
“Essas alterações nos microrganismos intestinais são chamadas de disbiose e têm merecido inúmeras pesquisas nos últimos anos. Como consequência, pacientes com DII podem relatar fadiga por diversas outras causas, mesmo estando em fase de remissão”, explica o médico.
A gastroenterologista Genoile Oliveira Santana, professora doutora do Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do Programa de Pós-graduação em Ciências Farmacêuticas e graduação em Medicina do Departamento de Ciências da Vida da Universidade do Estado da Bahia (DCV-UNEB), acrescenta que a anemia das doenças crônicas e alterações nutricionais são outros fatores que podem induzir a fadiga na DII.
O déficit de nutrientes como vitamina B12, folato e ferro, comum de ocorrer no curso da doença inflamatória intestinal, é outra possível causa. “Além disso, durante as fases de atividade da DII os pacientes podem apresentar sintomas gerais como febre, perda de apetite e distúrbios do humor”, exemplifica.
Iguais e diferentes
A fadiga associada à DII pode apresentar sintomas semelhantes à síndrome da fadiga crônica – caracterizada por fadiga profunda, alterações do sono, dor e outros sintomas agravados por esforço. Porém, os critérios diagnósticos são diferentes e o médico assistente deverá avaliar o quadro e fazer a investigação direcionada para cada paciente.
Existem estudos que mostram até que padrões da disbiose nos portadores de síndrome de fadiga crônica são similares àqueles descritos na DII. “Esses achados sugerem uma participação da microbiota na origem da fadiga, pelo menos em um certo número de pacientes nas duas condições.
Quanto à atuação terapêutica nessas circunstâncias, ainda há muita limitação no conhecimento sobre o que é efetivamente eficaz no tocante à prescrição de probióticos. Não sabemos ainda quais combinações de probióticos poderiam induzir a uma melhora sustentada com bom nível de evidência científica para uso clínico”, sinaliza o médico Marco Zerôncio.
Efeito colateral dos medicamentos?
Os pacientes que cursam com fadiga e não estão com a doença ativa também podem estar tendo um efeito colateral devido ao uso de alguns medicamentos. A médica Genoile Oliveira Santana informa que azatioprina, 6-mercaptopurina e metotrexato são os mais associados com o surgimento de fadiga e devem ser lembrados como uma possível causa do problema nos pacientes com DII.
Além disso, vedolizumabe e infliximabe podem estar associados à queixa de fadiga, embora a proporção seja baixa (menos de 10% dos pacientes). No caso dos corticoides, caso seja feito um desmame mais rápido que o usual ou uma suspensão brusca, os pacientes podem desenvolver um estado de fadiga que se corrige rapidamente com a retomada correta na redução da dose.
“Alguns antidepressivos e medicações analgésicas potentes, como os narcóticos codeína e tramadol, levam a uma sensação de letargia ou de sonolência em alguns indivíduos, que também pode ser referida como fadiga”, alerta o gastroenterologista Marco Zerôncio.
É importante que os médicos estejam atentos aos sinais de fadiga nos pacientes e avaliem, se possível, uma redução na dose do medicamento ou até mesmo a substituição para diminuir o sintoma. A professora Genoile Oliveira Santana afirma que, na maioria das vezes, a correção do estado inflamatório e a consequente remissão da doença podem ser suficientes para corrigir o sintoma.
No entanto, a fadiga presente nas fases de remissão vai necessitar de um detalhamento quanto à origem para que estratégias específicas de correção possam ser adotadas, trazendo benefícios para o estado geral, a produtividade e a qualidade de vida.
“É muito importante que o médico assistente esteja atento a essas e outras queixas porque, com o tempo, o paciente pode se adaptar a esses sintomas e evitar atividades físicas e relacionamento social, sendo que ambos são importantes para uma melhor qualidade de vida”, reforça.
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