As muitas nuances da consulta médica

As muitas nuances da consulta médica

É fundamental ter confiança no médico e estar bem preparado para não esquecer de tirar dúvidas e fazer perguntas importantes

A consulta médica de pessoas que convivem com doenças crônicas – como as doenças inflamatórias intestinais – é cercada de incertezas e angústias. O paciente faz consultas periódicas porque precisa controlar a doença, verificar se a medicação está funcionando e como está a possibilidade de remissão, entre outras questões.

Ao chegar na consulta e ficar diante de um médico, muitos pacientes ficam ansiosos e, com isso, esquecem de tirar as dúvidas ou de fazer perguntas importantes. Isso pode impactar no uso adequado das medicações e, consequentemente, no tratamento e no controle dos sintomas. Por isso, é fundamental estar bem preparado para a consulta, mesmo que seja com especialistas já conhecidos, para evitar esses e outros problemas.

O psicanalista Mário Corso – autor de vários livros e colunista do jornal Zero Hora de Porto Alegre –, afirma que faz parte do imaginário do paciente que o médico saberia tudo do seu problema.

No entanto, é preciso lembrar que os médicos sabem, mas não sabem tudo e estão sempre nessa busca de montar um quebra-cabeça para ajudar seus pacientes. “O dramático na doença crônica é não ter esperança de cura. É muito difícil que uma pessoa sem conhecimento de medicina aceite que não há cura.

A medicina, no imaginário social, é vista como capaz de resolver qualquer problema. Como o processo desses indivíduos com uma doença incurável é de luto e de aceitação, é muito difícil resolver isto sozinho. Esses pacientes precisam de um acompanhamento psicológico para verbalizar suas angústias, inclusive para não interferir na relação médico-paciente”, acentua.

Segundo o psicanalista, o médico é muito respeitado porque, na cabeça dos pacientes, deteria o saber que pode minimizar o seu sofrimento e prolongar a sua vida. Para algumas pessoas, o médico é quase como um sacerdote e, por esse motivo, muitas vezes os pacientes ‘mentem’ ou escondem fatos durante as consultas.

“Não é uma mentira intencional, mas alguns pacientes ‘melhoram’ o quadro como se quisessem agradar o médico. A estratégia é: ‘ele tem de gostar de mim’. Por isso essas pessoas mascaram a real vida que levam, o que realmente bebem, comem, fumam, e até escondem que usam drogas para fazer uma boa figura na frente do médico. Mas isso é contraproducente e coloca um obstáculo a um diagnóstico correto. Tudo por idealizar o médico e querer ser bem aceito”, ressalta.


Médico-paciente

Outra questão importante é que, se não houver uma boa relação médico-paciente, não há adesão ao tratamento e o paciente não toma o remédio com a mesma prontidão. “O paciente precisa gostar do seu médico e saber que tem um olhar carinhoso para com ele, para conseguir seguir com o tratamento. É necessário oferecer algum acolhimento. O paciente precisa sentir que pessoas que o atendem sabem sobre a especificidade de seu caso”, reforça.

Ao se deparar com um saber parcial – o que pode ocorrer quando os pacientes não têm um médico específico cuidando da sua saúde ou quando procuram serviços de emergência – produz-se um desencontro. Para o psicanalista Mário Corso, as pessoas têm dificuldade de lidar com o saber parcial, desejam ser atendidas por alguém que realmente saiba do que está falando para sentirem-se seguras, e aceitam mal a sinceridade do médico em não ser taxativo, em revelar que não é possível saber ao certo a evolução da doença.

“A cada década, a medicina se reinventa e se revoluciona, e é difícil para um leigo ver esse movimento em progresso, porque o que o paciente quer de verdade é ser bem tratado e curado. O indivíduo vai ao médico quase como um filho pedindo ao pai, é quase uma relação hierárquica e de súplica.

E isso tem tudo para dar errado. Por esse motivo, o paciente fica nessa posição infantil e tem dificuldade em falar o que faz ou o que sente de forma mais assertiva”, complementa. Na opinião do psicanalista, um bom médico consegue equilibrar esse momento e fazer o paciente sentir que é escutado – como acontecia com o clínico do passado, que ouvia em profundidade a história dos pacientes para tentar montar um quadro.

E, embora os exames de imagens sejam muito importantes para a evolução no diagnóstico, minaram um pouco aquilo que é considerado uma boa anamnese, que serve tanto para ajudar a montar um diagnóstico como para, imaginariamente, ‘abraçar’ o paciente, mostrando que o médico está realmente interessado.


Parceria

O psicanalista sugere que os médicos criem uma estratégia para cada paciente, como um artesanato. Para as pessoas mais simples do ponto de vista do conhecimento, é preciso explicar com muita atenção as sutilezas e o andamento de uma doença crônica.

Devido às muitas variáveis e comorbidades envolvidas, o que dificulta o equilíbrio e o prognóstico, os médicos também devem encontrar uma forma de não deixar o paciente em um grau de incerteza total, porque acabará mal emocionalmente e, consequentemente, vai piorar o quadro. “Quando alguém fica emocionalmente mal, fica estressado e faz trapalhadas com o medicamento e com as condutas orientadas, assim, os sintomas pioram. A medicina não é uma profissão fácil”, reitera.


Tenha um diário!

O psicanalista Mário Corso afirma que já viu experiências muito boas de pacientes que têm diário, tanto para trazer informação para o médico como para si mesmos. “A pessoa tem de saber que não pode se entregar como uma criança, que vai ter de ser ativa para combater a doença, e parte desse processo é descrever bem os sintomas.

De repente, escrevendo consegue ver padrões e fazer alguma alteração na rotina, como um ajuste fino que pode ser feito junto com o médico”, argumenta.

  • Nesse diário, anote peso, pressão arterial, o dia em que se sente bem ou está indisposto, seus sintomas, os remédios que toma, o que comeu (e se fez mal), horários dos medicamentos e qualquer sintoma diferente, para conseguir ter uma ideia da evolução do seu caso. Os indicadores a serem registrados variam para cada doença, e o médico pode orientar o que é relevante anotar.
  • Esse diário também deve ser levado ao médico em todas as consultas, juntamente com as anotações das dúvidas daquele momento. Para isso, anote as perguntas que surgem ao longo dos dias. Depois da consulta, anote o que o médico disse. Faça isso no papel para não se arriscar a anotar no celular e perder tudo.
  • Com as anotações no papel também fica mais fácil comparar informações. “É muito fácil nos enganarmos para fantasiar sobre nós mesmos, para pensarmos que estamos melhorando (quando, muitas vezes, não estamos). A questão toda é se apropriar do tratamento, saindo da postura infantil e passiva”, sugere.

Escutar o paciente ajuda muito

O psicanalista Mário Corso acentua que, durante uma consulta nem sempre é a cura que está em jogo; o que pode estar em jogo é ser escutado, ser considerado. Entretanto, o que os pacientes esperam de um médico fica muito difícil de receber no meio de uma fila enorme de pessoas esperando para serem atendidas e tendo de tomar decisões na loucura desse cotidiano.

“Tenho certeza de que qualquer médico preferiria trabalhar com calma, para fazer uma boa anotação, mas não dá. A prática médica está nessa aceleração, é quase uma indústria, e essa linha de montagem corta laços tanto do médico com o seu paciente como do paciente com o seu médico.

Há um afastamento afetivo e isso prejudica bastante os tratamentos e a adesão aos medicamentos”, lamenta. Outro problema é a falta de conhecimento de sua doença, que leva um paciente a parar a medicação quando os sintomas diminuem, o que pode agravar as doenças e elevar os riscos reais de morte.

Para o psicanalista Mário Corso, de forma geral os pacientes têm uma grande dificuldade de entender o que é uma doença crônica. O paradigma deles é o remédio que tira a dor ou o antibiótico que cura de uma vez.

Isto torna muito difícil lidar com a ideia de que o seu corpo falhou e não vai consertar e que o remédio será seu companheiro para o resto da vida. “Por isso, são necessárias várias consultas para fazer a pessoa entender o que é uma doença crônica, até porque, muitos não querem ouvir isso e se recusam a escutar que terão de administrar uma enfermidade para o resto da vida”, argumenta.

Outra questão delicada é que as pessoas vão para a internet, onde até encontram boas informações, mas, a maior parte é de informações superficiais, crendices, mitologias, teorias. “E toda essa informação traz muitas dúvidas e torna ainda mais difícil conseguir fazer uma triagem durante a consulta”, admite o psicanalista.

Além disso, muitas pessoas vão procurar na internet o que querem escutar, o que inclui que existe sim uma saída fácil para aquela enfermidade, que uma dieta especial acabaria com os seus problemas, que um chá de uma erva milagrosa o salvaria da indústria farmacêutica e outras crendices sem qualquer comprovação.


Fala doutor!

  • As pessoas que têm doenças crônicas deveriam ter conversas com outras pessoas com doenças crônicas, porque é o que mais funciona. Pessoas que têm a mesma doença parecem velhos amigos, porque estiveram na mesma trincheira e têm uma camaradagem e um acolhimento.
  • Não se deve acreditar que a pessoa sozinha vai conseguir manter o equilíbrio ao enfrentar uma doença crônica, isso é muito raro. Se o indivíduo consegue isso é porque tem um equilíbrio emocional, um lastro que faz com que consiga andar para a frente.
  • É importante que haja informação para as famílias. Os trabalhos com os familiares devem abordar as dificuldades que o outro vai enfrentar, que não se queixa à toa, não está deprimido, não é preguiçoso e realmente não tem força para enfrentar sozinho seu cotidiano. O trabalho de informação com as famílias produz um efeito muito bom, principalmente para que não atrapalhe esse processo. A saída coletiva, de colocar a família para ajudar também nas restrições, é importante porque fazer isso sozinho é um convite para a depressão. Por exemplo, em casa de diabético, não dá para seguir com o açúcar marcando todos os momentos importantes.
  • A síndrome do jaleco branco é fato comprovado e um dos marcadores que mostra essa alteração de consciência na frente do médico. A pessoa fica nervosa e cognitivamente alterada, e isso altera a pressão arterial. Deve-se conhecer essa síndrome e trabalhar para que não ocorra, ficando o mais tranquilo possível na frente do médico.
  • Dois tipos de paciente são especialmente irritantes: aqueles que acham que sabem mais que o médico, porque viram a informação na internet e se apropriam do jeito equivocado das informações, e aqueles que chegam explicando uma teoria própria e, geralmente, o médico tem de fazer de conta que não está rindo, porque geralmente são escalafobéticas. Essas pessoas não têm a mais vaga noção do número de variáveis de equilíbrio que um corpo tem e como é difícil desenvolver um raciocínio médico sem essa formação.
  • Durante sua formação, um médico apropria-se de um vocabulário de 10 mil novas palavras e/ou conceitos. Portanto, é como se o médico aprendesse uma outra língua. Já o paciente não tem noção do quanto não sabe e, quanto menos sabe, mais tem a ilusão de que sabe. Em geral, pacientes vão para a internet, pegam a explicação de uma única variável e fazem o seu próprio diagnóstico. E isso é um grande risco.
  • Em países com estatísticas cuidadosas há uma quantidade absurda de pessoas que morrem por automedicação. Esse é um jeito errado de se apropriar do cuidado de si. Os resultados são sempre desastrosos.
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John Doe

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