Capacitação para agentes de Saúde


Apesar de ainda serem desconhecidas de boa parte dos médicos generalistas e de outros profissionais da saúde, as doenças inflamatórias intestinais não são novas e precisam ser mais conhecidas para evitar os diagnósticos tardios e o agravamento dos quadros. Por isso, a ABCD realizou, durante o I FOPADII Regional, um curso de capacitação para médicos, enfermeiros e agentes de saúde da rede estadual e municipal do Ceará. “Embora não seja tão comum na realidade de quem está no atendimento das unidades básicas, é fundamental que os agentes comunitários, os médicos e enfermeiros que atuam na atenção básica conheçam as doenças e os principais sintomas, para que possam orientar os pacientes”, afirma o médico Caio Freire, que fez uma abordagem geral das DII na abertura do curso.

As DII podem atingir pessoas de todas as idades, mas são mais comuns entre indivíduos de 15 a 35 anos. O segundo pico, menos comum, ocorre em torno de 50 anos de idade e também pode acometer ambos os sexos, embora exista uma prevalência um pouco maior entre as mulheres. Os portadores de DII inicialmente podem procurar atendimento com queixas gastrointestinais inespecíficas e isso dificulta que os profissionais da rede básica de saúde pensem na possibilidade de DII. Às vezes, por desconhecimento sobre essas doenças, os profissionais tendem a pensar somente nas enfermidades mais comuns como parasitose intestinal, intolerância alimentar ou síndrome do intestino irritável. “É fundamental que os profissionais da atenção básica saibam que alguns sinais e sintomas podem indicar uma doença mais grave, como doença de Crohn ou retocolite. Os resultados da Jornada do Paciente que a ABCD realizou nos mostrou que esses pacientes costumam procurar por várias vezes atendimento com queixas recorrentes até chegarem ao diagnóstico correto, o que pode trazer prejuízo ao tratamento”, acentua.

Em geral, as DII têm uma interação genética associada a uma exposição ambiental, que seria um gatilho e contribuiria para o surgimento do processo inflamatório intestinal. A saúde da microbiota intestinal, que está associada à resistência imunológica, também pode gerar o gatilho e o processo inflamatório. Entre os gatilhos ambientais que podem contribuir para o surgimento ou agravamento da DII está o tabagismo – normalmente associado à piora da doença de Crohn. Além disso, antibióticos, anti-inflamatórios e anticoncepcionais, às vezes, estão associados ao desenvolvimento ou à piora da doença. “Claro que não é um fator isolado, que não são todos que tomam esses medicamentos que terão a doença, mas existe uma associação de fatores e o fator ambiental é o gatilho para o paciente que já tem predisposiçãoo genética desenvolver DII”, reforça o professor.

Existe também a teoria da higiene sugerindo que, nos países mais desenvolvidos –onde os ambientes são mais estéreis e com menos germes – curiosamente, os pacientes têm mais doenças autoimunes. “Este seria o motivo pelo qual os países da Europa e os Estados Unidos acabam tendo mais prevalência, porque sabemos que lá o cuidado sanitário é realmente melhor do que aqui no Brasil”, sugere. A industrialização também parece estar associada ao surgimento de casos e, aparentemente, amamentação e dietas com proteínas e ricas em fibras são fatores protetores. O médico explica que indivíduos com intestino normal, sistema imunológico equilibrado e ausência de fatores ambientais não terão inflamação no intestino. No entanto, um desequilíbrio em alguns desses fatores – ambiental, infecção, medicação – pode desencadear um processo inflamatório e essa inflamação, em muitos casos, vai persistir por causa da desregulação imunológica, vai se perpetuar e se estender no trato digestivo, levando a uma inflamação crônica bem característica da doença inflamatória intestinal.

O professor Caio Freire explicou, ainda, que os sintomas da doença de Crohn e da retocolite podem ser parecidos, embora tenham algumas diferenciações, e incluem anemia, perda de peso, febre e dor abdominal. A diarreia da retocolite costuma ocorrer várias vezes no dia em menor quantidade, enquanto o paciente de Crohn, como a infecção atinge mais o intestino delgado, apresenta diarreia em maior volume, menos vezes ao longo do dia. “A dificuldade no diagnóstico da DII está relacionada ao fato de várias doenças terem sintomas parecidos, a exemplo de câncer de intestino, linfoma, apendicite, síndrome do intestino irritável, diverticulite e doença celíaca. Também é importante lembrar que as DII podem acometer crianças e adolescentes e ter sintomas iniciais atípicos, inclusive manifestações fora do intestino, como dor nas articulações, manifestação de olho vermelho, parecendo uma conjuntivite, e lesões na pele”, detalha. Quando acometem crianças e adolescentes, as DII podem gerar déficit de crescimento e atraso na puberdade.

Você sabia?

A doença inflamatória intestinal é muito comum em países ricos, principalmente Canadá, Estados Unidos, Austrália e no continente europeu, onde é muito estudada e desenvolvem cada vez medicações e soluções terapêuticas que acabam sendo absorvidas pelo mundo todo. Na América do Sul, da qual o Brasil faz parte, há uma incidência de 3 para cada 100 mil indivíduos por ano, enquanto na Europa são 7 casos a cada 100 mil pessoas por ano. Há uma tendência de crescimento nos países em desenvolvimento e, cada vez mais, as doenças crescem em algumas regiões do Brasil – especialmente aquelas com herança europeia mais forte, como os estados do Sul.

O primeiro relato de doença inflamatória intestinal foi feito em 1761 pelo médico italiano Giovanni Battista Morgagni, que descreveu o caso de um jovem com enterocolite granulomatosa fatal. Os primeiros relatos de Crohn datam de 1913, embora o trabalho essencial que levou ao conhecimento da doença seja de 1932, quando o médico norte-americano Burril Bernard Crohn descreveu a enfermidade, inicialmente chamada de ileíte terminal e depois batizada com o sobrenome do pesquisador. Já a retocolite ulcerativa foi descrita pelo médico Samuel Wilks em 1859, em Londres, depois de realizar a autópsia em uma mulher que passou um grande período de tempo com diarreia e febre.