Pacientes e familiares precisam entender que esses medicamentos necessitam de refrigeração para manter as características originais
Os medicamentos biológicos têm sido uma importante ferramenta para pacientes com doença inflamatória intestinal (DII) que não respondem às terapias convencionais. Estudos demonstram que, em pacientes com DII moderada a grave, essas medicações oferecem melhora de parâmetros clínicos e de marcadores inflamatórios, assim como cicatrização da mucosa e maior tempo de remissão.
Biológicos e biossimilares – que só podem ser prescritos quando autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – RDC nº 55/2010 – são macromoléculas formadas pela união de aminoácidos de alta complexidade molecular, desenvolvidas por engenharia genética e extraídas de organismos vivos. Por esse motivo, esses medicamentos devem permanecer sob condições específicas para que tenham a eficácia desejada.
Por ser termolábil, o medicamento biológico necessita de temperaturas entre 2ºC e 8ºC para manter suas características biológicas e físico-estruturais. A enfermeira gestora do Centro de Terapia Assistida de Imunobiológicos do Centro de Dispensação de Medicamento de Alto Custo (CEDMAC) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), Cleide Oliveira da Silva, orienta que as medicações devem ser sempre armazenadas no refrigerador, dentro de um recipiente (preferencialmente transparente) e com boa vedação para possibilitar a inspeção do produto.
O recipiente com o medicamento biológico deve estar na prateleira do meio do refrigerador, longe das paredes e nunca na porta. “Se for possível, também é recomendado manter um termômetro dentro desse recipiente para verificar a temperatura interna sempre que o refrigerador for aberto”, sugere.
Quando não são armazenados sob temperatura de 2ºC a 8ºC, esses medicamentos sofrem um processo de desnaturação e as moléculas biológicas perdem suas funções. Assim, podem ocorrer variações de pH e outras alterações na conformação molecular do biológico interferindo no objetivo dessas moléculas, que é o de atingir alvos e moléculas específicos do sistema imunológico responsáveis pelo surgimento das doenças que devem ser tratadas.
Ao retirar o medicamento biológico nas farmácias de alto custo, primeiramente o paciente deve checar se o medicamento recebido é exatamente o que foi prescrito. O médico Ricardo Garcia, do Centro Latino-Americano de Pesquisa em Biológicos (CLAPBio), lembra que, para qualquer necessidade de transporte, o medicamento deve ser levado em bolsa térmica com gelo químico – nunca deve ser usado gelo ‘molhado’ que geralmente se utiliza em casa.
“Cadastrando-se nos programas de apoio ao paciente oferecidos pelos fabricantes dos medicamentos é possível receber uma bolsa térmica, o gelo químico e materiais informativos sobre a maneira correta de transportar os biológicos. Isso poderá variar de acordo com o fabricante”, orienta.
Após retirar o medicamento do seu local de origem, o mais adequado é levá-lo diretamente para a residência e armazenar imediatamente no refrigerador. Caso o paciente necessite deixar no refrigerador do trabalho, é fundamental que o medicamento esteja identificado e que todos os usuários do local sejam avisados para não abrir constantemente a porta, além de nunca deixar a porta da geladeira aberta por tempo prolongado. “Aconselhamos que o medicamento fique pelo menor período possível no local de trabalho para evitar que fique exposto a temperaturas incorretas”, sugere a enfermeira Cleide Oliveira da Silva.
Manutenção
Também é importante verificar se a borracha da porta da geladeira está vedando adequadamente, antes de iniciar o armazenamento do medicamento. Para tanto, deve-se pegar uma tira de papel com aproximadamente 3cm de largura e colocá-la entre a borracha da porta e a geladeira.
“Se a borracha apresentar resistência ao puxar o papel significa que está em perfeito estado. Porém, se o papel sair com facilidade, a borracha de vedação deverá ser trocada e o paciente deverá armazenar o medicamento termolábil em outro local até o conserto. Este teste deve ser feito em vários pontos da porta, especialmente nos quatro ângulos”, detalha a enfermeira.
Muito cuidado ao retirar da refrigeração
Todos os biológicos passaram por pesquisas para estipular o tempo máximo fora da refrigeração sem interferência na eficácia, e possuem anotação sobre isso nas bulas – que devem ser lidas pelos pacientes ou familiares responsáveis pelos medicamentos.
O médico Ricardo Garcia ressalta que esse tempo vai depender do biológico e da variação de temperatura a que for exposto. “Trata-se de um grupo de medicamentos instáveis em termos moleculares e a temperatura é o fator que mais influencia na estabilidade.
Quanto mais alta for a temperatura, maior é a velocidade de degradação de uma substância. Portanto, um mesmo medicamento pode apresentar diferentes tempos de vida útil, dependendo das condições do ambiente em que esteja armazenado”, acentua.
Depois de ser retirado da refrigeração para a aplicação, o paciente deve aguardar o tempo exato indicado na bula para que o medicamento fique em temperatura ambiente (em torno de 15 minutos, embora alguns precisem de 30 minutos).
“Se ocorrer de o medicamento ficar fora do refrigerador mais tempo que o exigido em bula, o aconselhável é armazená-lo novamente no refrigerador, identificando para diferenciar dos demais e, em seguida, comunicar ao médico o ocorrido e entrar em contato com o laboratório fabricante do biológico para saber quais procedimentos deverão ser tomados”, ensina a enfermeira Cleide Oliveira da Silva. O médico e a enfermeira participaram de uma live sobre o tema, que pode ser assistida pelo https://www.youtube.com/watch?v=Kdz23Odfz2c.
Alguns sites podem auxiliar os pacientes e familiares no entendimento deste e de outros assuntos relacionados aos biológicos:
- Guia para a Qualificação de Transporte dos Produtos Biológicos
- Cuidados com medicamentos biológicos: tudo que um paciente deve saber
Tire suas dúvidas!
Qual é a temperatura correta de armazenamento?
Para armazenamento de biológicos nos refrigeradores caseiros é de 2ºC a 8ºC. Na embalagem dos medicamentos consta a temperatura ideal.
Essa temperatura precisa ser ajustada nos refrigeradores caseiros?
A temperatura da geladeira doméstica, quando está em boas condições de conservação, varia de 4ºC a 5ºC, mas sofre variações de acordo com a marca do refrigerador, temperaturas sazonais, condições de conservação de cada refrigerador, tempo em que fica fechado, aberturas constantes da porta, regulagem do termostato e quantidade de alimentos armazenados.
Qual é o melhor local no refrigerador para armazenar o biológico?
Orientamos colocar os biológicos na prateleira do meio e longe das paredes do refrigerador, para que ocorra a circulação de ar em torno do recipiente que armazena o medicamento. Não confie no botão de regulagem! O mais adequado é ter um termômetro para controle da temperatura interna do refrigerador, e o ideal é um termômetro de sonda que permite verificar a temperatura interna sem necessidade de abertura. Existem alguns termômetros que podem ficar dentro do recipiente onde está a medicação biológica, possibilitando verificar a temperatura de dentro do recipiente. Se não for possível, o termômetro deverá ficar na mesma prateleira em que está o medicamento.
Há outras opções de refrigeradores além dos domésticos?
Sim. O mais adequado seria que os medicamentos termolábeis ficassem em câmaras científicas, que são refrigeradores nos quais o ar é movimentado por um ventilador. Esses equipamentos possuem vedação eficiente nas portas e, em alguns, há utensílios magnéticos para conferir a eficiência da vedação. Como nem sempre é possível ter uma câmara científica em casa, outra opção é ter um alarme que avise se a temperatura ultrapassou o mínimo ou máximo ideal, ou se a porta ficou aberta por muito tempo.
Quais cuidados são importantes com o refrigerador?
Evite colocar qualquer elemento que dificulte a circulação de ar e mantê-lo muito cheio de alimentos ou vasilhas que dificultem a ventilação. Programe a limpeza do refrigerador para o momento em que não tiver medicação, pois o tempo de permanência aberto para limpeza aumentará a temperatura.
Em caso de falta de energia elétrica, quais são as orientações?
Se ocorrer com desligamento programado, o paciente deverá transportar seu medicamento para outro local e deixar no refrigerador até que a situação se restabeleça. É possível acompanhar esses desabastecimentos programados nos sites das agências de energia elétrica. Se a falta de energia ocorrer por desligamento sem aviso prévio, o paciente deverá se organizar com a família para que o refrigerador permaneça fechado durante todo o tempo da queda de energia – se a geladeira estiver em perfeito estado de funcionamento, apresentando variação de temperatura de 2°C a 4°C, e o retorno da energia estiver programado para ocorrer em até oito horas. Importante colocar um lembrete na porta para ninguém esquecer de mantê-la fechada.
E se o tempo sem energia for superior a oito horas?
Neste caso, o ideal é colocar o gelo químico reutilizável (que deve estar dentro do congelador por mais de 24 horas, no mínimo) dentro de uma caixa de isopor, de modo a refrigerar o recipiente. Somente depois de refrigerada é que a caixa de isopor poderá acondicionar o medicamento. Deixar a caixa dentro da geladeira até que se restabeleça a energia. Se a queda ultrapassar 24 horas, o medicamento não deverá ser utilizado e o paciente deverá comunicar imediatamente o seu médico.
O que fazer com a medicação se precisar fazer viagens longas?
Aconselhamos que, se possível, os pacientes façam viagens longas somente quando estão em remissão. Quando não for possível adiar, o paciente deve analisar antecipadamente destino e tempo de viagem para organizar um transporte adequado do medicamento biológico. É recomendado que o médico, a enfermeira e a farmacêutica tenham conhecimento da viagem. Solicite ao seu médico um relatório que descreva sua doença e o seu tratamento, e leve-o na bagagem.
Neste caso, como deve ser o transporte?
O transporte deve ser realizado em bolsa térmica própria com gelo químico mantido previamente por mais de 24 horas, no mínimo, em congelador. O ideal é ter um recipiente isolante (caixa de isopor) dentro de uma bolsa térmica para garantir uma temperatura amena na caixa isolante, pois o isopor é um mau condutor de calor.
Aconselhamos sempre vedar muito bem a bolsa térmica e a caixa de isopor que contém o medicamento para evitar a troca de calor com o meio externo. O ideal seria ter um termômetro de sonda, pois isso facilitaria saber qual a real temperatura dentro da caixa de isopor. Também é importante calcular se o número de horas de voo está de acordo com a capacidade de transporte da bolsa e do gelo químico. A viagem não deve exceder o tempo de segurança de ambos.
Cuidados na aplicação de medicamentos biológicos
- Antes de iniciar o processo de boas práticas para administração de um medicamento biológico, lave bem as mãos e retire o medicamento do refrigerador – atentando ao horário em que retirou para ficar em temperatura ambiente durante o tempo recomendado pela indústria farmacêutica, que varia para cada medicamento e apresentação.
- Tenha um caderno ou cartão para anotar sempre a data de aplicação. Este é o momento de ficar atento ao correto intervalo de aplicação do medicamento. Anotar também o local da aplicação, pois é necessário rodízio dos locais, o lote e a validade para o caso de haver alguma reação após a administração – o que deve ser comunicado à Vigilância Sanitária ou à indústria farmacêutica.
- Separe o material necessário e, quando o medicamento estiver na temperatura ideal, faça a higiene da pele com álcool Swab 70%, aguarde secar, faça uma prega e aplique com a técnica adequada (ângulo de 45º ou 90º – conforme indicação da bula do fabricante). Aplique o medicamento lentamente ou, se for caneta preenchida, aguarde o sinal de término da aplicação e, após cinco segundos, retire a agulha ou a caneta do local.
- Mantenha sempre muita atenção quando for descartar o material biológico utilizado. O material deve ser acondicionado em recipiente rígido, conforme orientação recebida do fabricante, para posterior descarte adequado em postos de saúde ou pontos de recebimento específicos.
Fonte: Revista ABCD em FOCO – ED. 72
Imagem: Pixabay/MasterTux