Por: Dr. Burton I. Korelitz
Boa parte do início da história da Doença de Crohn ocorreu na Cidade de Nova Iorque; a maior parte dela, mas não toda ela, ocorreu no Hospital Mount Sinai. Esta história é muito importante para a compreensão do progresso proliferado em Nova Iorque e no mundo todo no sentido de esclarecer a patogênese e controle da doença de Crohn.
Nasci em Boston e vim para o Mount Sinai como residente em 1951. Na época, foi de grande importância que houvesse uma Ala de Psiquiatria “A” no Mount Sinai, pois os pacientes com colite ulcerativa e doença de Crohn, inicialmente tratados nos pavimentos médicos, geralmente eram transferidos para lá quando o tratamento médico falhava, para que recebessem cuidados adicionais. Às vezes os médicos residentes da clínica médica se esqueciam deles, e os deixavam aos cuidados dos residentes de psiquiatria.
Alguns desses pacientes chegavam a fazer cirurgia e alguns morriam. Lembro-me de uma adolescente com colite ulcerativa que, durante sua estadia na Ala “A”, desenvolveu obstrução do cólon comprovadamente devido a um carcinoma do cólon. As Alas “Q” e “T” eram alas cirúrgicas no Mount Sinai quando o Dr. Albert Lyons atuou como cirurgião assistente. Ele deve ser lembrado por ter criado o primeiro Clube da Ileostomia para pacientes que precisavam de ileostomia. Era chamado de clube “QT”, e muitos achavam que significava “silêncio” (em inglês “quiet”) acerca dos pacientes com estomas, mas na verdade o nome vinha das letras Q e T daquelas alas. Este foi o primeiro programa de autoajuda criado no Mount Sinai.
Em 1923, Eli Moschcowitz, que era clínico, trabalhou como patologista nas “catacumbas” do Mount Sinai, onde se deparou com muitos casos de granulomas inespecíficos do intestino delgado. Esta exposição do tecido intestinal inflamado a um médico curioso, brilhante e altamente motivado provavelmente deu início à história da doença de Crohn no Mount Sinai como a vemos hoje. Ao longo de um período de dez anos, o Dr. Moschcowitz e seu colaborador cirúrgico, Dr. A.D. Wilensky, publicaram suas descobertas. Na época em que voltei ao Mount Sinai como médico residente, após concluir minha Bolsa de Estudos para Pesquisa em Gastroenterologia no Beth Israel em Boston, meu primeiro turno foi no pavilhão particular. Lá, eu fui designado para assistir um paciente, que estava sob os cuidados do Dr. Moschcowitz, e que apresentava febre diariamente, vindo a falecer sem um diagnóstico. O Dr. Moschcowitz veio até mim e disse: “Korelitz, eu preciso saber o que aquele paciente tinha.” Ele me entregou uma grande seringa com agulha e disse: ”Preciso de um pedaço do baço dele”, e então eu aspirei. O diagnóstico foi doença de Hodgkin. O Dr. Moschcowitz é lembrado, pela maioria dos médicos, por sua descrição da Púrpura Trombocitopênica, mas não tanto por suas contribuições iniciais para a doença de Crohn, quando verificou os granulomas.
A única pessoa nesta apresentação que não conheci pessoalmente foi o Dr. A.A. Berg. Nas décadas de 1920 e 1930, ele era o cirurgião abdominal mais ocupado do Mount Sinai e operava a maioria dos linfomas, cânceres, tumores intestinais e muitas das massas inflamatórias benignas. Mais tarde, quando a ileíte granulomatosa foi chamada de doença de Crohn, Ginzburg disse: “Se os nomes das pessoas envolvidas na descoberta tivessem sido colocados, correta e completamente, em ordem alfabética, ela teria sido chamada de doença de Berg, mas Berg estava ocupado demais para escrever, então isso ficou para Crohn, Ginzburg e Oppenheimer”. Berg foi quem introduziu a operação caracterizada pela exclusão com derivação. Outros no Mount Sinai desenvolveram ainda mais essa cirurgia. Houve, na época, ressentimento pelo fato da doença ter recebido o nome dele, pois os outros haviam feito importantes contribuições para o seu reconhecimento e caracterização.
Em 1925, o Dr. Crohn descreveu a imagem endoscópica da colite ulcerativa logo após a introdução do sigmoidoscópio. Ele foi o primeiro a relatar um carcinoma do cólon que agravava a colite ulcerativa. Em maio de 1932, ele apresentou em New Orleans o seu famoso ensaio sobre “Ileíte Terminal” para a Associação Médica Americana. Por que “ileíte terminal”? Porque a ileíte, como vista então pela maioria, envolvia apenas a porção terminal (final) do íleo. Mas o Dr. Bargen, da Clínica Mayo, que estava na plateia, não gostou do termo porque ele sugeria que os pacientes sempre morriam da doença (quadro terminal). Consequentemente, o nome foi alterado para “ileíte regional”.
Mais tarde, o Dr. Crohn publicou um livro sobre Ileíte Regional. Lembro-me de que o li quando era estudante de medicina, mas a doença não atingiu reconhecimento nacional até a década de 1950, quando o Presidente Eisenhower desenvolveu uma obstrução do intestino delgado, que comprovadamente se deu devido à ileíte. Os cirurgiões que o operaram fizeram derivação cirúrgica sem exclusão, o que, na época, não era considerado o procedimento preferencial na instituição do próprio Crohn. Felizmente, o presidente ficou bem.
O Dr. Leon Ginzburg era o cirurgião que assistia A. A. Berg. Antes de conhecer o Dr. Crohn, ele já havia estudado espécimes de granulomas e inflamação intestinal e os havia submetido a exame patológico em busca de tuberculose e outras doenças granulomatosas raramente encontradas.
O Dr. Ginzburg foi o primeiro a apresentar a existência na doença, do que ele chamou de “granulomas inespecíficos dos intestinos”, para a Associação Americana de Gastroenterologia, mas sem incluir o nome do Dr. Crohn. O Dr. Ginzburg se tornou Diretor de Cirurgia do Hospital Beth Israel em Nova Iorque. Ele sempre manteve seu interesse pela doença de Crohn e foi um dos inovadores da conduta cirúrgica da ileíte e da ileocolite.
O Dr. Gordon Oppenheimer, que estudava espécimes patológicos com Ginzburg quando fazia seu turno pelo serviço de Patologia, progrediu e se tornou Diretor de Urologia no Hospital Mount Sinai. Ele era o mais jovem dos três.
O Dr. Ralph Colp, que estudou na Columbia, era um dos três chefes de cirurgia quando cheguei ao Mount Sinai. Ele era um homem muito distinto e foi o primeiro a receber o bastão de ouro do Mount Sinai, que era a mais alta distinção que alguém poderia receber por suas realizações naquela instituição. Em 1952, a primeira edição da revista do Mount Sinai, chamada de the New Gewalter, que imitava a New Yorker, trazia uma foto do Dr. Colp na capa.
O Dr. Colp foi o primeiro a descrever a inflamação granulomatosa no cólon proximal coincidindo com a ileíte terminal. Ele também descreveu a ileocolostomia com exclusão para doença de Crohn. Outra estória sobre o Dr. Colp. Ele tinha um cavalo e cavalgava todas as manhãs no Central Park. Ele entrava no Mount Sinai fumando um charuto que ele mantinha aceso na boca após sua cavalgada diária até chegar às portas da sala de cirurgia, onde a enfermeira encarregada lhe pedia para “apagá-lo”.
O Dr. John Garlock tinha vindo do sistema médico Cornell e também era um dos três chefes da cirurgia quando cheguei ao Mount Sinai. Ele era conhecido como “cirurgião do Crohn” e tinha reputação de ser o homem das mãos de ouro. Foi ele quem introduziu a resseção para a doença de Crohn, para remoção de tanto quanto possível do intestino afetado, até que ele próprio reconheceu que esta abordagem resultava em um aumento da mortalidade e que a operação por derivação era mais segura. Com a observação clínica contínua, reconheceu-se que a derivação, no entanto, permitia a recidiva antecipada na anastomose. Naquela época, haviam transfusões de sangue e antibióticos, diminuição das complicações, e o Dr. Garlock voltou a preferir as resseções.
O Dr. Sadao Otani, que nasceu no Japão, foi patologista do Mount Sinai e esteve associado ao Dr. Klemperer por muitos anos. Ele se tornou o patologista gastrointestinal que se concentrou na ileíte, enquanto o Dr. Klemperer descrevia o Lúpus Eritematoso Disseminado. Eu nunca me esquecerei da imagem da escrivaninha com tampo de correr do Dr. Otani com centenas de lâminas saindo de seus compartimentos. Quando as lâminas de tecidos de DII que haviam sido ressecados ou submetidos a biópsia chegavam até ele, e não conseguia chegar a uma conclusão, ou não ficava satisfeito com o diagnóstico diferencial, ele colocava a lâmina no compartimento e ali ficava.
Quando o clínico lhe pedia o veredicto, ele geralmente respondia: “Ainda não decidi”. Às vezes a lâmina permanecia ali por muitos anos, até ele achar que poderia distinguir entre colite ulcerativa, colite indeterminada, e doença de Crohn. O Dr. Richard Marshak começou sua carreira médica como ginecologista, mudou sua vocação para radiologia e se tornou radiologista de Crohn.
Ele era muito franco, às vezes parecia ser arrogante e, pela minha experiência, um dos melhores pesquisadores clínicos e professores de doença inflamatória intestinal. Por meio de suas próprias habilidades de radiologia, ele descrevia o desenvolvimento de todas as formas de doença inflamatória intestinal e suas complicações, e ensinou aos gastroenterologistas, inclusive a mim, a história natural da doença de Crohn vista pelas radiografias.
Ele trabalhou intimamente com o Dr. Crohn e efetivamente foi dono do consultório onde o Dr. Crohn e, mais tarde, o Dr. Janowitz, trabalharam. Infelizmente, numa idade mais avançada, o Dr. Marshak ficou cego, mas continuou trabalhando como radiologista mesmo sem poder ver as radiografias. Seu parceiro, Dr. Daniel Maklansky, o acompanhava durante as conferências, descrevia as radiografias para ele e então Marshak apresentava uma descrição inteligente, completa das radiografias específicas, doença e prognóstico do caso em particular.
O Dr. Marshak me telefonou no final da década de 1950 e me convidou para fazer com ele um estudo sobre megacólon tóxico que complicava o curso da colite ulcerativa. Suas imagens radiográficas desta complicação clássica, publicadas na Gastroenterology em 1960, eram impressionantes. No entanto, numa retrospectiva, comprovou- se que alguns dos casos originais eram de doença de Crohn, e não colite ulcerativa, o que ele aceitou relutantemente. Marshak trabalhou intimamente com o Dr. Bernard Wolf, que era diretor do Departamento de Radiologia do Mount Sinai, e com o Dr. Henry Janowitz e o Dr. Arthur Lindner para descrever a colite granulomatosa, harmonizando essa terminologia com a doença de Crohn do cólon.
O livro de Marshak com Lindner sobre a “Radiologia do Intestino Delgado” provavelmente ainda é o livro mais importante que existe sobre o assunto. O Dr. Marshak continuou dando palestras durante muitos anos antes de falecer, aos 70 anos. Minhas próprias contribuições para o estudo da doença inflamatória intestinal, durante os meus anos no Mount Sinai, provavelmente começaram quando eu era residente e o Dr. Crohn me disse durante as rondas: “Vejo que você tem interesse em DII e estamos cuidando juntos dos nossos casos de gravidez e ileíte”.
Logo depois, com Lindner, estudei a influência dos esteróides no curso da colite ulcerativa. Meu estudo da colite que inicialmente poupava o reto quase sempre era doença de Crohn. Fiz isso no início da prática. Meu primeiro consultório particular ficava no hospital Mount Sinai e eu o compartilhava com um excelente pediatra, o Dr. Donald Gribetz, o que levou a uma parceria nos estudos de prognóstico da colite ulcerativa em crianças, comparando a era pré- -esteroide com a era do esteroide. Mais tarde, publicamos artigos sobre o prognóstico da colite granulomatosa com início na infância. Em 1972, publiquei meu primeiro ensaio sobre o uso da 6-Mercaptopurina no tratamento da colite ulcerativa com o Dr. Nathaniel Wisch, hematologista.
Naquela época, sem um melhor entendimento da etiologia, pensava-se que a colite ulcerativa e a doença de Crohn eram doenças autoimunes. Em 1961, o trabalho de Hitchings e Elion ganhou o Prêmio Nobel pela descoberta da Azatioprina, que era usada para impedir a rejeição de órgãos transplantados. Estimulados por suas descobertas e conceitos, optamos por tratar a colite ulcerativa com um medicamento imunossupressor.
O Dr. Nathaniel Wisch já havia usado a 6-Mercaptopurina (6MP), um derivado da Azatioprina, no tratamento de leucemias infantis, e por causa da sua experiência com a 6MP, ele preferiu usá-la para os testes na colite ulcerativa em vez da Azatioprina. Publicamos o estudo sobre o tratamento da colite ulcerativa com 6MP em 1972 e, coincidentemente, lançamos também um estudo cruzado, controlado com placebo, duplo-cego para a doença de Crohn com o Dr. Daniel Present, que foi o primeiro Membro da recém-criada Fundação da Ileíte (depois modificada para Fundação Nacional da Ileíte e Colite {National Foundation for Ileitis and Colitis}, e, que hoje mudou de nome para CCFA-Crohn’s and Colitis Foundation of America).
Também em 1972, com meus colegas do Mount Sinai, o meu estudo sobre ileíte recorrente na ileostomia após colectomia para colite granulomatosa foi publicado. Havia também outro relato de que a recidiva não ocorre na ileostomia, quer a colectomia seja feita para colite ulcerativa ou granulomatosa. O nosso estudo documentou de outra maneira. Agora falarei da experiência no Hospital Lenox Hill.
O Dr. Abraham Jacobi veio da Alemanha, em meados da década de 1850, para o German Hospital em Nova Iorque que, mais tarde, se tornou Lenox Hill. Ele era pediatra e geralmente considerado o pai da Pediatria Americana. Mais tarde, ele foi para o Mount Sinai, e, em sua homenagem, foi criado o prêmio por realizações mais cobiçado do Mount Sinai, que é o Medalhão Jacobi.
O Dr. Sheldon Sommers veio para o Lenox Hill logo após eu ingressar na equipe, na década de 1960. Ele havia estudado em Boston com o Dr. Shields Warren, patologista, e juntos estavam entre os primeiros a descrever a patologia da inflamação granulomatosa e da enterite regional. Sommers e eu iniciamos uma parceria que levou à publicação de muitos estudos de pesquisas no campo da DII, inclusive o diagnóstico diferencial da colite ulcerativa e granulomatosa, com biópsias do reto e do cólon. Ele desenvolveu um método de contagem celular para identificar quais tipos de células existiam em cada um dos dois processos inflamatórios. Esta pesquisa nos possibilitou descrever a resposta à terapia com os medicamentos disponíveis na época, tanto para a colite ulcerativa quanto para a doença de Crohn.
O Dr. Sommers foi quem descreveu, junto com o Dr. Heidi Rotterdam, o microgranuloma, uma imagem menos desenvolvida do granuloma. Juntos, escrevemos sobre biópsias retais na doença de Crohn, demonstrando que as biópsias do reto com mucosa de aparência normal poderiam apresentar granulomas e, na verdade, esse provavelmente era um dos melhores lugares para se encontrar granulomas.
O Dr. Jerome Waye e eu trabalhamos juntos no Mount Sinai e depois ele veio para o Lenox Hill; ele trabalhou como chefe da endoscopia gastrointestinal em ambas as instituições. Ele levou o recém- -criado colonoscópio Olympus para as entranhas do Mount Sinai e aprendeu a usá-lo sozinho. Ele permanece na vanguarda do desenvolvimento das técnicas endoscópicas e continua sendo o professor das atuais e futuras gerações de endoscopistas. Jerry continua produtivo e dinâmico. Descrevemos, com o Dr. Sommers, a doença de Crohn incluindo granulomas nas biópsias endoscópicas do estômago e, particularmente, do duodeno. Com o Dr. Gregory Lauwers, descrevemos a displasia da mucosa retal na doença de Crohn.
O Dr. Lauwers, que era então aluno do Dr. Sommers em Patologia, agora é chefe da patologia gastrointestinal do Massachusetts General Hospital, em Boston. Enquanto isso, a pesquisa da doença inflamatória intestinal não se limitava a Nova Iorque. Na Inglaterra, a colite ulcerativa já havia sido descrita em 1857 por Wilks e Moxon. Mesmo naquela época, em alguns casos, havia a descrição de granulomas que provavelmente eram doença de Crohn que não havia sido reconhecida ainda como uma entidade distinta.
Na Escócia, Dalzeel (pronuncia-se Di-iel), cirurgião, descreveu o que certamente sugeria a ileíte típica e, em 1930, na Clínica Mayo, Bargen e Weber descreveram a Colite Ulcerativa Crônica Migratória Regional, que também era, muito provavelmente, doença de Crohn. Mais ou menos naquela época, o Dr. Colp descreveu uma inflamação granulomatosa que atravessava a válvula ileocecal e envolvia o ceco, em oposição a uma sugestão dada anteriormente pelo Dr. Otani, de que a válvula ileocecal era uma barreira para a extensão distal da inflamação granulomatosa.
Do Hospital St. Marks em Londres, os Drs. Lockhart-Mummery e Morson publicaram, em 1960, seu clássico relatório sobre inflamação granulomatosa limitada ao intestino grosso, sem comprometimento do intestino delgado, e eles a chamaram de doença de Crohn do cólon. Anteriormente, as publicações do Mount Sinai referiam-se a ela como colite granulomatosa, sem escolher entre os nomes adequados dos médicos e cirurgiões que haviam reconhecido sua existência.
A introdução dos hormônios adrenocorticotróficos e corticosteroides foi seguida por complacência em outras formas de tratamento da doença inflamatória intestinal por um longo tempo. Na década de 1950, em Oxford, Truelove e Witts descreveram os esteroides para a colite ulcerativa e as resultantes respostas dramáticas ao tratamento. Então, de Chicago, Spencer e Kirsner relataram os efeitos prolongados dos esteroides na colite ulcerativa.
O Dr. Gribetz e eu tivemos a oportunidade de estudar a colite ulcerativa em crianças e comparar as eras pré e pós-esteroide até a década de 1960. Em Londres, o Dr. Lennard-Jones nos mostrou que, apesar de os esteroides terem um efeito dramático no curso da doença inflamatória intestinal, eles não tinham valor de manutenção. O papel dos esteroides no tratamento da DII começou a mudar. Quando Hitchings e Elion descreveram o uso da azatioprina para impedir a rejeição de órgãos transplantados, o medicamento foi usado para proteger transplantes de rim já em 1961.
A sequência de eventos levou a considerar o uso de um medicamento como a Azatioprina para tratar de doenças de etiologia desconhecida, consideradas autoimunes, bem como os pacientes transplantados. O primeiro relato de Bean veio da Austrália em 1961 e discorria sobre um único caso onde se usou a 6-Mercaptopurina para tratar da colite ulcerativa e o resultado foi bem sucedido, seguido de outros casos bem sucedidos de pacientes com colite ulcerativa.
Em 1969, após o artigo de Bean sobre a 6MP para colite ulcerativa, o Dr. Brian Brooke, cirurgião britânico que introduziu a ileostomia de Brooke, popularizou o uso da Azatioprina para pacientes com doença de Crohn com recidiva ou ausência de melhora após um ou mais procedimentos cirúrgicos. Os pacientes que estavam quase em estado terminal começaram a melhorar.
Coincidentemente, em 1967, a Fundação da Ileíte foi criada em Nova Iorque, no Mount Sinai. Posteriormente, seu nome foi alterado para Fundação Nacional para Ileíte e Colite, e atualmente é chamada de Fundação Americana de Crohn e Colite. As pessoas de visão que iniciaram a Fundação eram um empresário, Bill Modell, das lojas Modell da Cidade de Nova Iorque, e sua esposa Shelby, o Dr. Henry Janowitz, então Chefe da Gastroenterologia do Hospital Mount Sinai, e um advogado, Irwin Rosenthal, e sua esposa Suzanne. Sue Rosenthal sofria de doença de Crohn e Irwin perguntou “O que sabemos sobre isso e quem está fazendo algo a respeito?”
Essa pergunta e a criação da fundação levaram ao início da minha parceria com o Dr. Daniel Present. Ele foi o primeiro membro da fundação e manifestou seu interesse em realizar comigo o estudo sobre a terapia imunossupressora na doença inflamatória intestinal. Sue Rosenthal, e depois Jane Present, esposa de Dan, tornaram-se Presidentes da Fundação e ambas, com sua liderança dinâmica, trabalharam para acelerar o crescimento da Fundação.
Quando Dan e eu planejamos um ensaio controlado para a 6MP, o Dr. Janowitz achou que não deveríamos fazer um estudo controlado duplo-cego dos imunossupressores para a colite ulcerativa porque essa doença tem propensão ao desenvolvimento de câncer no cólon, o que não acontecia na doença de Crohn. Obviamente ele estava enganado, pois a doença de Crohn do cólon também tem propensão ao desenvolvimento de câncer de cólon, mas devido a este acaso seguimos em frente e iniciamos o estudo cruzado, duplo-cego, controlado da 6MP para a doença de Crohn.
Ao mesmo tempo, o Estudo Cooperativo Nacional da Doença de Crohn (NCCDS) estava sendo realizado em 14 centros por todo o país, com o patrocínio da Associação Americana de Gastroenterologia, e por meio desse estudo desenvolveu- -se o índice de atividade da doença de Crohn (CDAI). O NCCDS chegou à conclusão de que placebo e Azatioprina não eram eficazes para a doença de Crohn e que a sulfassalazina e a prednisona eram.
Então, nós escrevemos um editorial para a Gastroenterology sobre “As Falhas do NCCDS”, enfatizando que “a Azatioprina foi eliminada como tratamento bem sucedido da doença de Crohn sem provas suficientes”. Os pesquisadores haviam incluído pouquíssimos pacientes no braço da Azatioprina do estudo. Por quê? Porque alguns pacientes desenvolveram pancreatite e, consequentemente, os árbitros decidiram que seria antiético continuar com a Azatioprina. Aquilo serviu para impedir a aferição adequada da eficácia.
Adicionalmente, as inscrições para os quatro braços do estudo exigiam a retirada antecipada dos esteroides, o que estimulava a recidiva. Dentre outros motivos, estava a limitação do estudo a um período de 17 semanas, o que não era possível já que a Azatioprina é um medicamento de ação lenta e leva até 3 meses para começar a fazer efeito. Em nosso próprio estudo sobre a 6 Mercaptopurina no Mount Sinai e no Lenox Hill, tendo a maior parte dele sido realizada em nossos consultórios particulares, demonstramos que havia eficácia para 6MP versus placebo a partir da comparação entre ambas no tratamento da doença de Crohn, com alta significância estatística, permitindo, também, a eliminação ou redução dos esteroides, e, ainda, o fechamento das fístulas.
Também foi útil para reconhecer a demora na reação à 6MP até a cura, e que a reintrodução do tratamento com esteroides poderia ser necessária em alguns casos para ganhar tempo até os imunossupressores fazerem efeito. Os resultados desse estudo demonstraram, sem sombra de dúvida, que a 6MP era um medicamento eficaz no tratamento da doença de Crohn. O Dr. Present disse, a respeito do Estudo Cooperativo Nacional da Doença de Crohn, que, casualmente foi apresentado na sessão plenária da AGA (Associação Americana de Gastroenterologia) ao mesmo tempo em que fomos encaminhados a outra sala para apresentar o nosso estudo sobre a doença de Crohn e o uso da 6-MP, que o NCCDS deixou escapar a eficácia dos imunossupressores, que acabaram se revelando o melhor tratamento para DII, e endossou um dos piores (os esteroides).
Dan Present veio para o Mount Sinai como membro da Gastroenterologia quando eu era assistente júnior. Juntos, nós publicamos nosso estudo sobre o tratamento da doença de Crohn com 6MP e, posteriormente, outros estudos sobre os tratamentos da DII com imunossupressores. Logo após, o Dr. Present, juntamente com o Dr. Simon Lichtiger e o Dr. Asher Kornbluth, relataram seus resultados favoráveis com a ciclosporina no tratamento da colite ulcerativa. O Dr. Present foi o autor líder da Terapia de Manutenção para Fístulas na doença de Crohn tratada com Infliximabe e o primeiro porta- -voz de como proceder sem os esteroides no tratamento da doença inflamatória intestinal.
O Dr. Adrian Greenstein veio da África do Sul e se tornou um dos primeiros cirurgiões acadêmicos do Mount Sinai. Ele é pioneiro na enteroplastia (plástica na área de estenose) para doença de Crohn e, em parceria com os Drs. Janowitz, Sachar e Aufses, descreveu muitos aspectos da doença de Crohn, inclusive a recidiva na anastomose e seu controle. Ele fez muitas observações originais sobre carcinomas e linfomas que agravam a doença inflamatória intestinal. O Dr. David Sachar foi o primeiro Chefe Acadêmico da Gastroenterologia no Mount Sinai. Em Bangladesh, quando era um jovem pesquisador, ele descobriu que reposição oral estimulada de fluidos e eletrólitos poderiam salvar vidas de muitas pessoas com cólera. As publicações de que mais gostei foram os seus importantes editoriais na revista Gastroenterology, tais como Metronidazol para doença de Crohn perianal, que ele intitulou “Metronidazol para doença de Crohn: Descoberta ou Sensacionalismo?”
E o editorial após o artigo da Cleveland Clinic sobre “Mortalidade na doença de Crohn”, que ele intitulou “Doença de Crohn em Cleveland: Questão de Vida ou Morte”. Quando escreveu um editorial sobre os artigos acerca da genética da doença de Crohn, o título que ele deu era “Doença de Crohn: Um Assunto de Família”. Ele tem um jeito maravilhoso de resumir e encontrar o humor em um assunto. O Dr. Sachar trabalhou com o Dr. Adrian Greenstein e o Dr. Janowitz nos índices de operação e recidiva na doença de Crohn após a cirurgia, e no câncer na colite ulcerativa e doença de Crohn, e continua buscando o total entendimento da recidiva na anastomose pós-cirúrgica. O Dr. Sachar também recebeu o Bastão de Ouro, a honra mais cobiçada do Mount Sinai, recebida anteriormente pelo Dr. Ralph Colp e pelo Dr. Arthur Aufses, Jr.
O Dr. Henry Janowitz foi chefe da gastroenterologia no Mount Sinai durante muitos anos. Ele foi residente no Mount Sinai e depois estudou fisiologia gastrointestinal com o Dr. Andrew Ivy e o Dr. Morton Grossman em Chicago. Mais tarde, ele colaborou com o Dr. Franklin Hollander nas secreções gástricas e com o Dr. David Dreiling nas secreções pancreáticas no Mount Sinai. Mais tarde, o interesse de sua vida se voltou para a DII e foi estimulado por meio de sua associação com Crohn e Marshak. Ele teve grande envolvimento na história da doença de Crohn, foi um dos 3 fundadores da Fundação Americana de Crohn e Colite e Presidente da Associação Americana de Gastroenterologia. Ele escreveu um artigo histórico muito importante sobre a doença inflamatória intestinal após 1932.
Para o meu livro com o Dr. Cosimo Prantera (Itália) sobre a doença de Crohn, ele concordou em escrever o capítulo de abertura, que era uma conversa imaginária com os três, Crohn, Ginzburg e Oppenheimer, que é um clássico, e ao final do capítulo, ele diz: “Nos veremos em breve”. Um de seus melhores legados inclui os muitos colegas que fizeram suas próprias conquistas e descobertas sob a liderança dele, inclusive os Drs. Present, Sachar, Meyers, Lichtiger, Kornbluth, Waye, Banks e eu. O Dr. Irwin Gelernt era um jovem cirurgião do Mount Sinai que foi para a Suécia e, na volta, trouxe com ele a bolsa de Kock – a primeira bolsa de colostomia continente para colite ulcerativa, criada ressecando-se a doença e fazendo um reservatório do intestino delgado atrás da parede abdominal. Ele foi pioneiro no desenvolvimento da anastomose íleo-anal com bolsa. Infelizmente, ele faleceu muito jovem.
O Dr. Arthur Aufses, Jr. tornou-se Diretor de Cirurgia no Mount Sinai após ter ocupado este cargo no Long Island Jewish Hospital. Ele e eu éramos, juntos, residentes chefes no Mount Sinai, ele na cirurgia, e eu na medicina, e houve muitas noites em que tínhamos a responsabilidade de tomar decisões importantes pelos pacientes e pela instituição. Nós pedíamos as opiniões dos assistentes, mas elas não surgiam com frequência porque acredito que eles confiavam que nós mesmos conseguiríamos cuidar da situação. Arthur e eu permanecemos amigos próximos por todos esses anos. Ele é o responsável por manter, esclarecer e proteger a exatidão da história da doença de Crohn, provavelmente mais do que qualquer outra pessoa.
Quando comecei a escrever este manuscrito, o Dr. Lloyd Mayer era chefe aposentado da Gastroenterologia no Mount Sinai, onde permanece no cargo de Diretor de Imunologia e dos Serviços Imunológicos Clínicos. Até recentemente, ele atuou como presidente científico da Fundação Americana de Crohn e Colite. Suas publicações, criatividade e liderança representam a alta qualidade das atuais e futuras descobertas e pesquisas em DII. O atual diretor do Serviço Gastrointestinal do Mount Sinai é o Dr. Bruce Sands, cujas excelentes contribuições para o campo da DII no Massachusetts General Hospital foram numerosas. Fatores ambientais, imunológicos e genéticos contribuem para a etiologia, mas eu acrescentaria uma quarta categoria, de fatores históricos, que acredito ser apropriada para entendermos a ciência da doença inflamatória intestinal e percebermos por completo como o nosso atual conhecimento dessas doenças foi obtido.