“Foi em 1997 que comecei a ter crises de diarreia. No começo, achei que era algo que havia comido no dia anterior, mas o problema começou a ficar cada vez mais constante. As idas ao banheiro e a dor na barriga aumentavam mais e mais, porém demorei três meses para ir ao médico. A sorte é que o profissional que sempre atendeu minha família é gastroenterologista que, após alguns tratamentos, resolveu pedir exames mais aprofundados. O problema é que eu, naquela época uma jovem do interior de Minas Gerais, tinha muito preconceito em realizar uma colonoscopia, por exemplo. Com isso, o diagnóstico demorou quase um ano para sair: eu tenho doença de Crohn.”
Essa é parte do relato de Julia Assis, 45, dentista, e que há 23 anos convive com essa DII (doença inflamatória intestinal). O problema tem como característica a inflamação crônica e progressiva do intestino, levando a quadros de diarreia, dor abdominal e perda de peso.
De acordo com estudos de associações de pacientes e do Ministério da Saúde, as DIIs afetam mais de 100 mil brasileiros. Porém, esses números podem estar bastante defasados, já que nos dados apontados pelo órgão público, por exemplo, são apresentados apenas os casos de pessoas que recebem medicamentos pelo SUS (Sistema Único de Saúde).
Doenças distintas, sintomas semelhantes Responsável por afetar mais de 50% dos pacientes com DII, de acordo com uma pesquisa realizada pela ABCD (Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn), a doença de Crohn é caracterizada pela inflamação de toda a parede intestinal, podendo afetar desde o começo do órgão até o ânus.
O lado psicológico E a demora no diagnóstico tem um impacto importante na vida pessoal e profissional de quem vive com DII. “Evitava participar de eventos sociais. Primeiro, porque tinha medo de comer alguma coisa e ter que ir ao banheiro e também pelo fato de que não queria ser aquela pessoa que estava sempre reclamando de dor”, conta a dentista Julia.
As épocas conhecidas como crises da doença, que é quando os sintomas estão constantes, podem ainda ser piores. “Pacientes com retocolite, por exemplo, chegam a precisar ir ao banheiro de 4 a 8 vezes por dia, com sangramento e sentem dores. Então, do ponto de vista de relacionamento, atividade social, no trabalho, isso tem um impacto muito forte”, alerta Rogério Saad, coloproctologista e presidente do GEDIIB (Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil).
Grupos suscetíveis Ainda segundo o estudo da ABCD, a faixa etária mais acometida pela DII vai dos 25 aos 54 anos, e pode atingir tanto homens quanto mulheres em proporções muito próximas. “Porém, crianças e idosos também sofrem com o problema em uma porcentagem grande e crescente. E ainda não se sabe a causa exata da origem da doença”, esclarece Marta Machado, gastroenterologista e presidente da ABCD.
São diversas as hipóteses, entre elas, a genética, assim como o meio ambiente em que o indivíduo vive —com muita poluição, dietas com consumo excessivo de produtos industrializados, entre outros fatores. “Alguns estudos apontam, também, que indivíduos que receberam antibióticos na primeira infância ou tiveram um tempo de amamentação menor do que o recomendado estão mais sujeitos a desenvolver o problema na fase adulta. A explicação é que acredita-se que esses dois fatores podem alterar a flora intestinal, que tem um papel de proteção contra o desenvolvimento de enfermidades que modificam o sistema imune, como as doenças inflamatórias intestinais”, explica Luiz Felipe de Campos Lobato, cirurgião, coloproctologista do departamento de cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e coordenador da regional Minas Gerais do GEDIIB.
Tratamento e mais qualidade de vida Quando o paciente com DII começa a terapia, após alguns meses as mudanças na rotina são perceptíveis. O tratamento para as duas doenças é muito semelhante e deve seguir pelo resto da vida, mesmo em épocas de remissão, ou seja, quando o paciente não tem nenhum sintoma. A escolha da melhor terapia dependerá do momento e do estágio em que a doença se encontra e das condições dos pacientes. “Mas, basicamente, inicia-se com o uso de corticoides por um curto período. Depois, são indicados medicamentos anti-inflamatórios, imunossupressores e biológicos. Alguns pacientes podem necessitar de tratamentos cirúrgicos, especialmente na presença de complicações como estenoses e fístulas”, afirma Guilherme Grossi Lopes Cançado, chefe do serviço de gastroenterologia do Hospital da Polícia Militar de Minas Gerais.
E mesmo nessa época de pandemia, é bastante importante seguir com a terapia. De acordo com o Ministério da Saúde e as associações médicas, caso o paciente esteja com sintomas ou seja diagnosticado com covid-19, a conduta em relação ao medicamento para DII deve ser determinada pelo médico responsável pelo tratamento.
Dessa forma, é possível seguir sem grandes riscos e mantendo a qualidade de vida. “Hoje, sei que tenho que tomar os remédios regularmente e entendo os sinais do meu corpo para assim poder resolver o problema o quanto antes. E o melhor de tudo: posso fazer atividades rotineiras sem grandes problemas”, comemora Julia Assis.