Indicados para resolver algumas complicações da DII,
procedimentos cirúrgicos podem ser importantes para situações específicas
Um dos maiores medos dos pacientes com doença inflamatória intestinal é ter necessidade de passar por uma cirurgia para diminuir as complicações inerentes às enfermidades. As principais dúvidas, que ocorrem principalmente devido à desinformação, estão relacionadas à necessidade de confecção de estomas (ileostomias ou colostomias), ao tamanho da incisão e à extensão de intestino que poderá ser ressecada, além do tempo de internação hospitalar, o que interfere na vida pessoal, social e profissional do paciente.
A principal indicação cirúrgica eletiva na DII está relacionada à falta de resposta a todos os medicamentos disponíveis, desde que prescritos de forma correta, pelo tempo necessário para a avaliação do resultado e nas doses certas. As indicações de cirurgia na doença de Crohn são basicamente compostas pelas complicações da doença, como estreitamentos e perfurações, abscessos ou fístulas e, mais raramente, pela presença de tumores.
Na retocolite ulcerativa é indicada, geralmente, nos casos de intratabilidade clínica, presença de tumor e retardo do crescimento. Em qualquer dos casos, o procedimento cirúrgico passa a ser a melhor solução para aliviar a sintomatologia e resgatar a qualidade de vida do paciente.
O médico Paulo Gustavo Kotze, professor doutor da Unidade de Cirurgia Colorretal da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e Unidade de Doença Inflamatória Intestinal da Escola de Medicina de Cumming da Universidade de Calgary, no Canadá, ressalta que a cirurgia não deve ser encarada como último recurso, mas como uma importante ferramenta adicional para o tratamento da DII.
“Muitas vezes, os resultados de cirurgias não são muito bons devido à demora do médico em encaminhar ao cirurgião, mas também pelo fato de o paciente recusar os procedimentos até o último momento. O ideal para tentar minimizar essas preocupações é envolver um cirurgião desde o início do tratamento, para que o paciente o conheça como uma pessoa de carne e osso que está lutando pelo seu bem-estar”, destaca.
O envolvimento de equipe multidisciplinar, com enfermeiros estomoterapeutas, nutricionistas e psicólogos, mesmo antes de haver indicação cirúrgica, também é considerado fundamental, porque são essenciais no manejo de pacientes, ostomizados ou não.
As cirurgias mais comuns na doença de Crohn são a ressecção de segmentos do intestino delgado e plásticas no intestino, para evitar o encurtamento. Quando a lesão está situada no intestino grosso, também podem ser realizadas ressecções segmentares e colectomias parciais ou totais, dependendo da extensão da doença.
A reconstituição do trânsito intestinal após colectomia total pode ser feita por meio de anastomose íleo-retal ou de bolsa ileal, quando o reto estiver todo doente, porém, com intestino delgado normal e ausência de doença perianal, o que ocorre com maior frequência na retocolite ulcerativa.
“No caso de doença perianal com incontinência anal, não nos resta outra opção senão fazer uma proctocolectomia com estomia definitiva”, explica a médica Magaly Gemio Teixeira, livre-docente pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia (SBCP).
Na doença de Crohn, as operações perianais para limpeza das fístulas e colocação dos drenos são bastante comuns, assim como ressecções de intestinos delgado e grosso. Também é motivo para indicação cirúrgica a presença de fístulas entéricas – que, de maneira geral, não respondem bem ao tratamento clínico –, principalmente quando há fistulização para vias urinárias. Segundo a médica Magaly Gemio Teixeira, fístulas enterocutâneas são causa de grande sofrimento para o paciente devido à corrosão da pele pelos sucos entéricos, dificuldade de adaptar bolsas coletoras, perda de nutrientes (que pode levar a quadros de desnutrição importante) e alteração da imagem corporal.
“Muitas vezes, a doença está silenciosa e os sintomas que o paciente apresenta são consequentes apenas ao quadro de suboclusão intestinal. Quando o estreitamento é acompanhado de dilatação a montante, mostrando a dificuldade de esvaziamento intestinal, o melhor tratamento é o cirúrgico”, reforça.
A coloproctologista informa, ainda, que o tratamento cirúrgico também desempenha papel importante para crianças com atraso de desenvolvimento não responsivo a medidas clínicas, e é fundamental nos casos de acometimento da região perianal com destruição do aparelho esfincteriano e incontinência anal.
Também há casos em que o tratamento cirúrgico deve ser feito em caráter de urgência, como os de hemorragia maciça que não responde a medidas clínicas, obstrução aguda (mais rara), perfuração intestinal e megacólon tóxico. Além disso, há indicação para cirurgia de urgência quando o médico não consegue descartar o diagnóstico de apendicite mesmo com a utilização de exames mais sofisticados.
De forma geral, os procedimentos cirúrgicos eliminam sintomas de obstrução, como dor e distensão abdominal, náuseas e vômitos, o que melhora a qualidade de vida do paciente. Outras vantagens é que medicamentos que não faziam efeito, antes da cirurgia, podem passar a apresentar resultados e o paciente apresenta melhora no estado nutricional.
“A cirurgia, na imensa maioria das vezes, traz o paciente de volta para a vida. O indivíduo passa a ganhar peso, comer e dormir melhor e ter vida social. Passado o período pós-operatório, a qualidade de vida retorna. Muitas vezes, mesmo com um estoma (bolsa na parede intestinal), a qualidade de vida é significativamente melhorada após os procedimentos”, garante o cirurgião Paulo Gustavo Kotze.
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NOVAS TÉCNICAS AUXILIAM OS PROFISSIONAIS
As cirurgias para tratar DII evoluíram muito nas últimas décadas. O desenvolvimento da laparoscopia, que permite pequenos cortes e intervenções por vídeo, foi notável e, atualmente, a técnica é realizada em muitos centros. Esses procedimentos geram cicatrizes menores, menos tempo de internação e menores taxas de complicações, e possibilitam um abdômen melhor para futuras operações, se necessário.
A médica Magaly Gemio Teixeira lembra que os cirurgiões também têm tentado fazer anastomoses amplas (latero-laterais), com o intuito de evitar estenose quando há recorrência da doença. As novas técnicas melhoram, ainda, o aspecto cosmético do corpo, fator importante principalmente para pacientes jovens, para quem a aparência é importante.
Além disso, a recuperação pós-operatória é mais rápida, menos dolorosa e o paciente pode receber alta mais precocemente. “Ocorre que essas técnicas ainda são usadas no Brasil para a minoria dos pacientes, a depender do centro no qual se encontram, porque envolvem, muitas vezes, equipamentos mais caros e há dificuldade para o SUS e para muitos convênios aprovarem”, lamenta o gastroenterologista Paulo Gustavo Kotze.
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PROCEDIMENTOS PODEM SER REPETIDOS
Os especialistas ressaltam que muitos pacientes terão de passar por mais de um procedimento cirúrgico ao longo da vida. Na doença de Crohn, a recidiva nem sempre significa que o paciente terá de operar de novo, mas haverá necessidade imperiosa de tratamento clínico mais potente e agressivo. Se houver novas complicações e o medicamento não agir mais, haverá necessidade de outras operações. No caso da retocolite ulcerativa, o estadiamento da cirurgia em três operações diferentes é geralmente indicado para pacientes mais doentes, com corticoides prévios e desnutridos, para evitar complicações.
A médica Magaly Gemio Teixeira informa que de 80% a 90% dos pacientes com doença de Crohn vão necessitar de pelo menos uma cirurgia ao longo da vida. Destes, aproximadamente 50% necessitarão de uma segunda operação e, dos 50% que foram operados pela segunda vez, metade (25% do total) necessitará de uma terceira cirurgia.
“Em geral, a maioria dos pacientes não necessita de outras operações, exceto casos extremamente graves e complexos que, felizmente, são raros. Precisamos reforçar que a cirurgia trata apenas as complicações da doença inflamatória intestinal. Assim, aproximadamente 50% dos pacientes que são operados uma vez podem, ao longo da vida, apresentar exacerbação da doença, com perda de resposta clínica aos medicamentos, e apresentar novas complicações que necessitem de tratamento cirúrgico”, afirma. A médica ressalta que a vida pós-cirurgia de um paciente com DII deve ser normal e o número de indivíduos que necessitam de estomia é pequeno. De maneira geral, todos se adaptam à vida de ostomizados, até porque, atualmente, a medicina dispõe de dispositivos que tornam a vida mais fácil.
Os procedimentos de estomias são seguros, por não trazer costuras do intestino dentro do abdômen, e fazem com que os pacientes se recuperem do ponto de vista nutricional e voltem a ter uma vida normal. Pacientes com estomia temporária, geralmente entre três e seis meses, podem realizar a reconstrução do trânsito do intestino em condições muito melhores.
“Claro que, do ponto de vista psicológico, os pacientes muitas vezes têm dificuldade de aceitar a ostomia, porque altera a imagem corporal e traz algumas limitações físicas, principalmente no início. No entanto, a maioria tem excelente adaptação e pode realizar exercícios, fazer natação, jogar futebol, ter relações sexuais e trabalhar normalmente”, assegura o médico Paulo Gustavo Kotze, ao ressaltar que o cuidado e a orientação de uma enfermeira estomoterapeuta são essenciais para a melhor adaptação do paciente.
O cirurgião acrescenta que é preciso desmistificar a cirurgia, pois não se trata de uma derrota do doente, mas sim de uma arma importante no tratamento. Para isso, é fundamental ter um cirurgião experiente nessas doenças, o que trará melhores resultados, e uma indicação cirúrgica precisa e no tempo certo, o que faz toda a diferença.
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MITOS E VERDADES
A DOENÇA DE CROHN SEMPRE PRECISA DE CIRURGIA.
MITO/MEIA VERDADE
Embora o tratamento cirúrgico seja frequente – perto de 90% dos pacientes passarão por cirurgia após 15-20 anos do diagnóstico – não é obrigatório.[cs_divider size=”cstheme-shortcode” type=”line” color=”#eeeeee” height=”1px”]
VOU TER DE USAR UMA BOLSA DE OSTOMIA PARA SEMPRE.
MITO
Raramente se coloca uma estomia definitiva, situação reservada para casos específicos de incontinência anal. Converse com o gastroenterologista.[cs_divider size=”cstheme-shortcode” type=”line” color=”#eeeeee” height=”1px”]
NUNCA PODEREI SER OPERADO USANDO BIOLÓGICO.
MITO
A cirurgia pode ser realizada durante o uso de biológicos sem intercorrências. Os biológicos não aumentam complicações e, muitas vezes, levam a culpa por casos mais graves. Complicações podem ocorrer por desnutrição ou piora, entre outros.[cs_divider size=”cstheme-shortcode” type=”line” color=”#eeeeee” height=”1px”]
A CIRURGIA VAI ME CURAR DO CROHN.
MITO
A cirurgia não cura o Crohn, porque a doença não tem cura. E, por isso, vai voltar e, muitas vezes, mesmo bem tratada, evoluirá e haverá necessidade de mais procedimentos no futuro.[cs_divider size=”cstheme-shortcode” type=”line” color=”#eeeeee” height=”1px”]
A RETOCOLITE NUNCA SE OPERA.
MITO
Opera sempre que tiver alguma das indicações. Cerca de 20% a 30% dos pacientes necessitam de cirurgia.[cs_divider size=”cstheme-shortcode” type=”line” color=”#eeeeee” height=”1px”]
HEMORROIDAS FICAREI CURADO DA RETOCOLITE SE RETIRAR O MEU INTESTINO.
MITO/MEIA VERDADE
Esta era uma assertiva no passado, quando se achava que retocolite era limitada ao intestino grosso. A retocolite pode apresentar manifestações extraintestinais inclusive depois do tratamento cirúrgico. O paciente submetido à bolsa ileal poderá apresentar bolsite, que pode levar à perda da operação. Alguns pacientes que tiram o intestino grosso, reto e ânus ficam curados, mas com ileostomia para o resto da vida. A minoria aceita isso.[cs_divider size=”cstheme-shortcode” type=”line” color=”#eeeeee” height=”1px”]
HEMORROIDAS E FISTULA TEM O MESMO SINTOMA.
MITO
Hemorroidas se caracterizam por sangramento indolor e prolapso. Fístulas configuram-se por perda de secreção purulenta. Um exame proctológico básico pode diferenciar.[cs_divider size=”cstheme-shortcode” type=”line” color=”#eeeeee” height=”1px”]
SE EU TIVER HEMORROIDAS, TEREI DII NO FUTURO.
MITO
Hemorroidas não aumentam o risco de desenvolver DII, porém, pacientes com as doenças podem apresentar o problema, mas sem relação causa-efeito. Mamilos hemorroidários são parte da anatomia humana. Com o passar dos anos, vários fatores colaboram para que esses mamilos se tornem doentes.[cs_divider size=”cstheme-shortcode” type=”line” color=”#eeeeee” height=”1px”]
NUNCA PODEREI TER FILHOS DEPOIS DE UMA CIRURGIA DE DII.
MITO
A maioria dos procedimentos cirúrgicos não interfere com a capacidade da paciente engravidar. Mesmo quando se aborda a pelve, como no caso das bolsas ileais, a operação realizada por vídeo diminui as aderências e parece não impedir as pacientes de engravidarem. Entretanto, pacientes com cirurgia sobre a pelve, realizadas por via aberta, poderiam ter risco de diminuir a fertilidade. Com a laparoscopia, isso mudou.
Foto: Pixabay / sasint