Os Serviços de Atenção à Saúde das Pessoas Ostomizadas do Ministério da Saúde visam fornecer orientação para o autocuidado, a prevenção e o tratamento de complicações nas estomias, fornecimento de equipamentos coletores e adjuvantes de proteção e segurança, e capacitação de profissionais.
E cabe aos enfermeiros especializados o principal papel na orientação e assistência, para que o indivíduo ostomizado receba um cuidado integral e humanizado dentro e fora do ambiente hospitalar.
Segundo a enfermeira especializada em Saúde Pública Lucia Helena Lourenço, mestranda pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), profissionais de Enfermagem são fundamentais no pré e pós-operatório de ostomias e devem ser um instrumento capaz de melhorar a qualidade de vida desses pacientes.
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Qual é o principal papel dos enfermeiros para auxiliar pacientes que passam por uma ostomia?
Acredito que nossa principal função seja estabelecer um vínculo com o paciente, para que tenha uma relação de confiabilidade e construa um canal propício para enfrentar as adversidades e compartilhar os sucessos na evolução do tratamento. O fundamental é o enfermeiro saber acolher o paciente, ouvir com atenção suas angústias e seus temores, falar olhando nos olhos, acreditando sempre no potencial de sucesso e sendo parceiro em todos os momentos.
As posturas de acolhimento, paciência e aceitação propiciam suporte para o paciente encontrar forças para aceitar seu processo e transpor suas dificuldades para prosseguir a vida com qualidade. O enfermeiro precisa, a princípio, ter empatia pelo paciente, procurando compreender qual o significado do corpo fragilizado diante da doença. Isso permitirá auxiliá-lo no processo individualizado de aceitação de sua nova condição, favorecendo o suporte para preparo e orientação no pós-operatório.
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A falta de conhecimento sobre a ostomia agrava a angústia?
Na maioria das vezes, sim. O medo do desconhecido, baseado em experiências anteriores e pré-conceitos, contribui para gerar insegurança, sentimento de impotência e invalidez ante o que se sucederá. O medo funciona como ‘fantasma nos contos de fadas infantis’.
Mas, a partir do momento em que esse medo é acolhido, compreendido e ‘esperado’ frente a essa nova experiência, conjuntamente com a introdução da informação educativa, abre-se espaço para a construção da relação de autocuidado, aceitação e confiança.
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Quais são as maiores dificuldades no processo de adaptação?
Para o sucesso do processo de reabilitação é fundamental a implementação de uma assistência sistematizada precoce, desde a fase pré-operatória e que incluirá orientações técnicas relacionadas ao estoma, pele periestoma e dispositivo, trazendo segurança no momento da alta hospitalar, na transição entre o hospital e o lar.
Pela presença de um estoma no abdômen, a higienização – apesar de ser uma atividade simples – pode causar medo, mesmo para limpeza e troca de bolsa. Alguns fatores interferem na limpeza, como adaptação das condições domésticas (extensão de chuveiro, uso de bisnagas) e situações constrangedoras (sujeira no piso, vaso).
Em geral, as maiores dificuldades giram em torno da falta de habilidade em manipular a bolsa, inadequação do dispositivo e problemas de pele, como dermatites, que são superadas com o passar do tempo.
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As alterações complexas e limitadoras que a ostomia traz estão entre os principais motivos de angústia do paciente?
A ostomia obriga o paciente a realizar grandes transformações pessoais. Apesar de manter sua condição encoberta sob as roupas, o indivíduo rompe com os seus esquemas anteriores e pode sentir-se diferente dos outros. O paciente se depara com diversas alterações em seu processo de viver, desde as fisiológicas e gastrointestinais até o abalo da autoestima frente às alterações da imagem corporal, relacionamento sexual, trabalho e atividades sociais.
A vida deste paciente necessita de adaptações, pois, com a perda do controle de parte de seu corpo, agora poderá vivenciar sentimentos diversos e, muitas vezes, assustadores, podendo provocar-lhe angústia, raiva e depressão, entre outros sentimentos negativos.
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Como estimular o paciente a reconstruir sua imagem corporal de forma saudável a partir da ostomia?
O significado de ter um corpo alterado, desviado dos padrões sociais vigentes, afeta a imagem corporal, uma vez que é um dos componentes fundamentais da identificação. Quando essa imagem é alterada em consequência da mutilação do corpo (no caso, a ostomia), isso faz com que o paciente se depare com a representação do corpo ideal ancorado nos conceitos de beleza, harmonia e saúde, podendo provocar estranheza a si próprio.
Ao ser estimulado a aceitar sua nova imagem corporal, conseguirá manter um equilíbrio interno enquanto interage com o mundo e sua modificação pode influenciar as habilidades laborativas e o desempenho social.
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Essas mudanças podem provocar sentimentos negativos como invalidez, incapacidade, raiva e até depressão?
O uso da bolsa coletora pode representar a ‘mutilação’ sofrida e relacionar-se diretamente com a perda da capacidade produtiva do paciente, assim como significa um ‘indício’ de sua falta de controle sobre as eliminações fisiológicas, sobre seu corpo, sua beleza física e saúde. Estar ostomizado implica não só no uso da bolsa, mas em uma nova imagem corporal que precisa ser reconstruída.
Este é um processo ao mesmo tempo subjetivo, coletivo/social e de profundas reflexões sobre a convivência com uma ostomia. A visão deste paciente sobre o uso da bolsa coletora implica em várias questões relacionadas a mudanças drásticas em seus aspectos cotidianos, e constituem um desafio para sua adaptação a esta nova realidade.
Assim, não surpreende que alguns indivíduos apresentem um momento de luto, às vezes até patológico, pelas perdas sofridas e pelo tamanho da força que precisarão encontrar em si e em seus familiares e amigos para aceitação dessa nova situação e perspectivas.
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Quais são os principais obstáculos no ajustamento à vida familiar, social e de trabalho de um indivíduo ostomizado?
O abalo na autoestima e no autoconceito resultante da alteração da imagem corporal, assim como a perda do status social devido ao isolamento inicial imposto pelo próprio paciente ostomizado, podem ter repercussões na vida. Alguns incorporam o estigma social, tendo dificuldades na própria aceitação e no processo de adaptação.
Pode ocorrer uma nítida rejeição de si mesmo, algumas vezes como defesa antecipada da rejeição que o indivíduo pressupõe que irá sofrer pelos que o circundam. Pode surgir, também, um sentimento de inutilidade, pois é comum encontrar pacientes que, no primeiro momento, nutrem a fantasia de que perderão sua capacidade produtiva, exteriorizando sentimentos como desgosto, ódio, repulsa e medo, o que pode levá-los a importante alteração sociofamiliar.
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A reabilitação deve envolver uma equipe multiprofissional?
É importante que os serviços de saúde tenham equipe multiprofissional (médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, assistentes sociais) para atendimento dos pacientes ostomizados, que precisam do cuidado interdisciplinar. O objetivo deve se voltar para uma melhor adaptação e reabilitação, tanto do paciente quanto de sua família. A reabilitação do ostomizado visa restituir-lhe as atividades do convívio social e melhorar a qualidade de vida.
A primeira etapa desse processo deve ser a aceitação do estoma pelo próprio paciente, entendendo que este foi confeccionado com intuito de preservar sua saúde. A partir daí, os cuidados com higiene e alimentação podem assegurar melhoria em sua vida diária, assim como algum tipo de controle sobre as consequências da ostomia. A reintegração social, familiar e do trabalho deve ser a meta do acompanhamento, assim como o lidar com atividades de lazer.
É conhecida a dificuldade dos pacientes em retornar a seus hábitos anteriores, como atividades esportivas e viagens, dada sua nova condição e o receio de se verem em situações desagradáveis. Entretanto, lidar com possíveis acidentes com a bolsa coletora deve ser uma estratégia de trabalho dos profissionais que acompanham o paciente, para que sua vida possa ter os componentes necessários para ser plena dentro de suas condições fisiológicas.
Além da ostomia e da bolsa coletora, novos fenômenos sensoriais e estranhos começam a emergir relacionados ao odor, som, tato e à visão. Os enfermeiros podem orientar o paciente quanto à alimentação regrada, para que comam em pequenas porções, devagar e mastigando bem os alimentos. Também é importante ingerir de 1,5 a 2 litros de líquidos por dia e estar sempre atento à relação de ingestão de alimentos versus funcionamento do intestino, produção de odores e gases.
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Ter paciência e compreensão ajuda o paciente nesse resgate da autoconfiança e qualidade de vida?
Sim. O enfermeiro pode ser de grande ajuda nesses resgates e auxiliar muito, mas precisa lembrar que o poder de fazer o paciente mudar de atitude não cabe a nenhum profissional, e sim ao próprio paciente, de acordo com o tempo necessário (individual) para se recuperar. O mecanismo de defesa da negação pode ser mais frequente logo no início, após o choque da confecção de uma ostomia ou como reação à gravidade do seu estado clínico.
Desta forma, o paciente pode recusar-se a falar sobre a ostomia e apresentar tendências ao isolamento. Estas atitudes podem ser válidas, de início, como defesa psicológica, mas precisam de observação atenta em sua evolução, dada a necessidade de substituição deste tipo de defesa por outra mais adaptativa, que lhe possibilite caminhar com todo o processo de tratamento e recuperação.
A revolta e a raiva devem ser toleradas e não menosprezadas pelo enfermeiro, para que o paciente possa lidar com seus sentimentos, bem como alguns comportamentos como reclamar, criticar o atendimento, solicitar atenção contínua, entre outros. Em muitas ocasiões, o paciente precisa ser respeitado e compreendido em suas explosões temperamentais, por mais que isso seja difícil para a equipe de saúde e a família.
Mas tal tolerância pode significar um importante passo para a elaboração de sua condição de ostomizado. O reconhecimento de seus sentimentos frente a tal situação geralmente o auxilia a superar esta fase. O entendimento e o respeito dessas manifestações do paciente são fundamentais, aliados a estratégias educativas continuadas de esclarecimentos para satisfazer necessidades específicas no autocuidado do paciente, assim como de seus familiares.
O objetivo deve ser tanto sua mais pronta reabilitação quanto a promoção de uma melhoria em sua qualidade de vida e suporte emocional para dificuldades afetivas que possa enfrentar em todo este difícil processo adaptativo. Enfim, a resolução das dificuldades apresentadas dependerá dos recursos internos que o paciente dispõe, do suporte social fornecido por sua família, da estrutura e do planejamento de atendimento oferecidos pelos diferentes profissionais envolvidos em seu tratamento e acompanhamento.