Já está bem estabelecido que a dieta é fator fundamental para determinar o perfil da microbiota intestinal, e a maioria das doenças da atualidade pode ter uma relação direta com o padrão alimentar. Por isso, a melhor forma de manter uma microbiota intestinal saudável é por meio de uma alimentação equilibrada, rica em frutas, legumes e vegetais, e pobre em gordura saturada e carne vermelha.
Adicionar um bom estilo de vida, com a prática de exercícios moderados; evitar álcool e jamais fumar também fazem parte das orientações. O professor Claudio Fiocchi lembra que, desde a revolução industrial, os seres humanos começaram a se afastar cada vez mais da maneira natural de viver e comer, e boa parte da população mundial consome muitos produtos processados.
Embora as espécies bacterianas intestinais sejam as mesmas em todo o mundo, certos grupos aumentam ou diminuem dependendo do padrão alimentar de cada população. Por exemplo, indivíduos que ingerem muita gordura orientam as bactérias intestinais de uma maneira que facilita a utilização de energia e ficam cada vez mais gordos. “Se comemos o alimento que a natureza produziu, é claro que a tendência é formar uma microbiota saudável.
Mas, uma vez que introduzimos alimentos processados com aditivos, isso muda a composição das bactérias. Adoçantes artificiais, por exemplo, alteram a composição da microbiota intestinal de forma dramática, do ponto de vista negativo”, alerta.
O professor Dan Waitzberg acrescenta que a dieta rica em fibras propicia a formação de uma microbiota tipo sacarolítica, enquanto o consumo exagerado de carne vermelha propicia a do tipo putrefativa. “Cada qual tem produtos fermentativos distintos, sendo que a primeira está associada a ácidos graxos de cadeia curta, por exemplo, o butirato, muito benéfico para os colonócitos, que são as células pertencentes ao cólon.
Já a segunda se associa à produção de certas aminas, que têm sido associadas com a promoção do câncer de cólon”, explica. No caso de paciente com doença inflamatória intestinal, estudos desenvolvidos nos últimos cinco anos mostram que algumas dietas mais restritivas – chamadas de dieta de exclusão – podem ser recomendadas (leia mais na página 18).
A esperança é que os resultados positivos dos estudos com restrição de alguns alimentos, como açúcar, carne vermelha e gordura – feitos inicialmente com crianças – sejam transferidos para a população adulta. Para o professor Claudio Fiocchi, entretanto, isso dependerá muito da capacidade do médico em convencer o paciente de que a mudança de dieta para o padrão não inflamatório realmente vai ajudar. “Na medida em que os estudos mostrarem evidências objetivas, os médicos terão mais argumentos para orientar o paciente a eliminar alguns alimentos e ter uma dieta mais saudável. Nos próximos 20 anos, a implementação de dietas para tratamento deverá ser uma forte demanda para a classe médica”, acredita.
Medicamentos
Já está comprovado que o uso de alguns medicamentos – especialmente antibióticos – altera de maneira significativa a microbiota intestinal e pode levar a quadros de desconforto abdominal, diarreia ou constipação.
Mais recentemente, os cientistas passaram a investigar até que ponto o sucesso do tratamento medicamentoso pode depender da presença de determinadas bactérias para uma resposta mais efetiva. “É o caso de certos imunossupressores em melanoma, em que a presença da bactéria Ackermansia muciniphila pode aumentar a taxa de resposta anticâncer. Isso ocorre porque essas bactérias impedem a proteção que certos tipos de câncer podem ter contra a atuação desses medicamentos”, explica o professor Dan Waitzberg.
Todos os medicamentos têm de ser metabolizados pelo organismo e esse processo de quebrar, metabolizar e gerar os princípios ativos de todas as medicações depende essencialmente da microbiota. O professor Claudio Fiocchi acentua que, tendo uma microbiota saudável, esse processo deve gerar princípios ativos eficazes. Entretanto, se a microbiota estiver alterada, o remédio poderá não ter a eficácia esperada. “As pessoas pensam que o medicamento em si faz o efeito, mas não é assim. Só alguns componentes do medicamento têm eficácia e tudo isso depende da microbiota.
Por isso, ter uma microbiota saudável ajuda, em caso de doença, a gerar os metabólitos eficazes para combater o problema. Dos milhares de remédios utilizados no mundo inteiro, a eficácia é de apenas 40% para a população em geral. Por isso que muitos remédios não fazem efeito nenhum”, enfatiza.
Estudos experimentais com animais tentam definir o papel de algumas bactérias intestinais na metabolização de medicamentos, mas é algo difícil de estabelecer, uma vez que a mesma bactéria em pessoas diferentes pode ajudar ou ter um efeito negativo. Isso porque cada pessoa é tão individualizada, do ponto de vista genético e de aspectos sociais, que os efeitos dos medicamentos e as composições das bactérias nunca serão iguais. “Não existem duas pessoas no mundo que tenham a mesma composição bacteriana, mesmo os gêmeos univitelinos.
Há vários estudos mostrando que gêmeos idênticos têm o mesmo DNA, no entanto, assim que nascem cada um tem um comportamento diferente e uma microbiota diferente. Por esse motivo, essas análises são tão complicadas”, argumenta o professor Claudio Fiocchi.