O empresário Sergio Savone, de 69 anos, é um dos pacientes que ajudou a fundar a ABCD e conta como é viver por mais de 30 anos com doença de Crohn
Em 1986, aos 33 anos, eu tinha uma vida muito ativa e trabalhava em um setor estressante quando comecei a sentir fortes dores lombares. Desconfiado de que fosse um problema na coluna, troquei várias vezes a cadeira – a empresa onde trabalhava chegou a importar cadeiras ergonômicas – e procurei especialistas na área de Ortopedia para solucionar o problema. No entanto, nenhuma dessas iniciativas deu resultado e as dores persistiam. Nesta jornada, passei por médicos de várias especialidades e muito conceituados, mas nenhum exame indicava o motivo do desconforto.
Fui orientado a procurar um psicólogo, que achou que eu estava somatizando. Até que um médico pediu exames do trânsito gastrointestinal e descobriu uma estenose de íleo que me levou ao centro cirúrgico para a retirada de 1,20m de intestino. Finalmente diagnosticado com doença de Crohn atípica – porque no início não tinha diarreia ou qualquer outro sintoma comum nos pacientes – me recuperei da cirurgia. No entanto, levei um tempo para me adaptar à nova vida com o intestino encurtado e os sintomas clássicos da doença, que só surgiram depois da cirurgia.
Diante da novidade, resolvi estudar a doença de Crohn. Na época, não conhecia gastroclínicos especializados em doença inflamatória intestinal no Brasil e passei a ver relatos de desespero de mães e familiares de pessoas com os sintomas. Quem publicava algo na internet não tinha nenhum fundamento e, mesmo com poder econômico e cultura, eu fiquei meio perdido.
Virei um ‘bicho grilo doido’ que fazia reunião com a família para explicar a doença, porque achava que meu intestino seria eliminado aos 66, 69 anos. Lembro que em todas as internações eu recebia o que chamava de ‘trio-esperança’: antiespasmódico, corticoide, dieta e, finalmente, alta. Depois de um tempo, a doença recomeçava.
Em uma das internações, encontrei uma jovem senhora com Crohn que me falou do médico Flavio Steinwurz. Finalmente, fiquei feliz por dois motivos: encontrei alguém que tinha a mesma doença e um médico que mudou a minha vida. A partir daí, passei a ser tratado com medicamentos específicos até chegar aos biológicos e, determinado a ajudar, participei da fundação da ABCD juntamente com outros médicos e pacientes do doutor Flavio Steinwurz – que tinha grande preocupação de disseminar conhecimentos e ajudar as pessoas com DII.
O objetivo era evitar que outras pessoas passassem pelas mesmas dificuldades, porque as DII eram desconhecidas dos médicos, pois havia pouca informação. A fundação da ABCD foi uma grande conquista para todos os pacientes. Fui tesoureiro por muito tempo e, hoje, faço parte do Departamento de Planejamento.
Continuo apoiando a ABCD devido à sua importância para mudar a vida dos pacientes com DII. Aos 69 anos de idade, minha doença está sob controle com medicamentos biológicos. Mas, ao longo desses 36 anos, mantive uma vida normal, e acho perfeitamente possível chegar à idade mais madura com a enfermidade bem administrada.
Aqueles que recebem o diagnóstico mais velhos devem saber que o conhecimento das DII está mais disseminado, os resultados das medicações são bem rápidos e, nesta fase da vida, a doença vai impactar menos do que na idade produtiva. O paciente aprende com o próprio organismo a controlar a doença e, nas reuniões dos grupos, consegue apagar alguns ‘fantasmas’.
Ao longo de mais de três décadas, não deixei de fazer nada e viajei para o mundo todo, sempre com cuidado com a alimentação, mas sem me intimidar. Se eu pudesse escolher, optaria por receber o diagnóstico após os 60 anos. Mas, independentemente disso, minha dica é esquecer a DII e levar a vida ‘na categoria’. Vamos morrer com a doença, não da doença.