Novos alvos terapêuticos buscam remissão profunda sustentada, prevenindo a incapacidade física e a lesão intestinal, e evitando cirurgias
É sabido que, em qualquer doença, quanto antes o paciente conseguir receber um diagnóstico correto, mais rápido começará o tratamento e, consequentemente, controlará os sintomas e chegará – se possível – à cura daquela enfermidade.
Na doença inflamatória intestinal, o diagnóstico precoce é ainda mais fundamental porque poderá evitar a piora do quadro e a necessidade de intervenções mais delicadas. Além disso, é fundamental que médico e paciente tomem decisões compartilhadas para obter uma maior adesão ao tratamento e para que os resultados sejam mais rápidos e efetivos.
Esse foi o tema da aula do gastroenterologista Flavio Steinwurz, fundador da ABCD e presidente da Pan American Crohn’s and Colitis Organization (PANCCO), durante o IV FOPADII.
O médico afirma que, atualmente, os especialistas que tratam doença inflamatória intestinal precisam ir além nos objetivos preconizados pelo manejo histórico na DII – que era parar sangramento e tratar os sintomas –, para conseguir cada vez mais e melhores resultados, uma vez que os trabalhos mais recentes mostram que tratar apenas os sintomas não muda a história natural da doença.
“Os novos estudos indicam que é preciso buscar uma remissão profunda e sustentada na doença de Crohn e na retocolite ulcerativa, de maneira a prevenir a incapacidade física e a lesão intestinal e, consequentemente, evitar cirurgias e oferecer melhor qualidade de vida, reduzindo o impacto social e ocupacional ao paciente e ajudando para que tenha expectativa de um futuro melhor”, acentua.
Para atingir isso tudo, o diagnóstico precoce é fundamental. No caso da doença de Crohn, um trabalho conjunto que envolveu vários especialistas mundiais – incluindo o médico Flavio Steinwurz – definiu que, para ser considerado precoce, o diagnóstico tem de ser feito, no máximo, até 18 meses do início da sintomatologia e sem lesão irreversível importante.
Na retocolite ulcerativa também é importante buscar a remissão, mas sem uso de corticoide e com análise histológica de cicatrização de mucosa. Periodicamente, os médicos devem comprovar que a doença está em remissão por meio de exames de imagem, porque é a cicatrização de mucosa que favorece a remissão profunda.
E, para isso, precisam usar as ferramentas disponíveis como colonoscopia, ressonância magnética, enterografia e tomografia para confirmar que a doença está ‘quietinha’. “Quando falamos em remissão, temos de ver para crer e comprovar que a doença está dormindo. A cicatrização endoscópica favorece remissão profunda e reduz os índices de hospitalização, cirurgia e complicações maiores. E temos de ser ambiciosos para conseguir cada vez melhores resultados”, ensina.
Segundo o médico, a doença de Crohn pode ter o comportamento do ‘lobo vestido de ovelha’, porque a atividade clínica é apenas o ‘topo do iceberg’ e existe uma atividade bioquímica, endoscópica e histológica que precisa ser muito bem avaliada.
A remissão também pode ser verificada por marcadores sanguíneos, fecais e, futuramente, moleculares (citocinas). Recentes trabalhos mostram alvos de curto, médio e longo prazos na DII – que envolvem resposta sintomática, remissão clínica e normalização de PCR; normalização da calprotectina; cicatrização endoscópica, conceitos relacionados com a qualidade de vida normalizada e ausência de incapacidade, respectivamente.
“Quando se consegue resposta clínica, remissão clínica e biológica e cicatrização de mucosa podemos falar de remissão profunda sustentada, que previne a incapacidade física, a lesão intestinal e, evidentemente, evita cirurgias”, enumera.
Avanços mundiais
O médico Flavio Steinwurz lembra que os tratamentos sequenciais aprovados ao longo dos últimos anos estão avançando muito e inúmeras entidades mundiais estão fazendo grandes trabalhos sobre DII. “Embora ainda não sejam trabalhos definitivos, há muito desenvolvimento ocorrendo para que tenhamos mais sucesso nos tratamentos.
Estamos avançando muito e felizes com o que está acontecendo, porque há um desenvolvimento pleno para as doenças inflamatórias intestinais”, assegura. Apesar da evolução, especialmente das medicações biológicas, ainda é preciso aprovar novos medicamentos para DII que, diferentemente de outras enfermidades, ainda demanda de novos tratamentos.
Para demonstrar que, no Brasil, os pacientes têm as mesmas demandas de outros países, o médico cita o estudo Impact, desenvolvido pela Federação Europeia das Associações de Crohn e Colite, que envolveu 4.990 pacientes de 24 países, demorou cinco anos e mostrou que 18% deles esperaram mais de cinco anos para receber o diagnóstico, 64% precisaram de atendimento emergencial antes do diagnóstico, 53% não conversaram sobre tópicos importantes e 25% sofreram discriminação, inclusive no trabalho.
A Jornada do Paciente desenvolvida pela ABCD em 2019 – com resultados expressivos e mais de 3,5 mil questionários respondidos em pouco mais de quatro meses – mostrou dados semelhantes. “Isso reforça que a realidade da doença inflamatória intestinal é a mesma no Brasil, na Europa ou no resto do mundo, mas queremos e temos de melhorar, sem dúvida”, acrescenta.
Diálogo e compartilhamento de decisões
Também é fundamental manter um diálogo constante entre todos os envolvidos no tratamento – paciente, médico, enfermeiro, nutricionista e outros –, tanto para disseminar conhecimentos quanto para responder as dúvidas, que são muitas. Em geral, o paciente com DII quer saber se vai ficar doente o tempo todo, se poderá ter filhos, como a doença vai afetar a sua vida e quais são os efeitos colaterais dos medicamentos, entre muitas outras indagações.
“Os médicos que atendem indivíduos com DII têm de acabar com essas incertezas, têm de ajudar e orientar os pacientes a terem uma vida normal ou muito próxima da normalidade. Temos de dar importância a todos os sintomas e ter o propósito de aliviá-los. E o centro de tudo deve ser sempre o paciente, porque é quem está sofrendo”, define o médico Flavio Steinwurz.
Entretanto, o objetivo tem de ser controlar não somente os sintomas, mas a doença. Para isso, é importante induzir e manter a remissão, eliminar esteroides, cicatrizar fístulas (se houver), reduzir hospitalizações e cirurgias, e conquistar uma normalidade estrutural para que o paciente possa ter uma vida plena e com qualidade. Segundo o gastroenterologista, a decisão compartilhada entre médico e paciente – processo em que trabalham juntos para as decisões de testes, tratamentos e tudo mais –, é fundamental nesse processo.
“Claro que existem momentos em que o médico tem de tomar uma decisão dirigida e enfatizar ao paciente o que tem de fazer para melhorar. Mas, quando existem possibilidades, essa decisão deve ser debatida com o paciente para que se chegue a um senso comum. O que todo paciente com DII quer é ser feliz e temos de fazer o melhor para que isso aconteça”, enfatiza.
Para assistir a palestra exibida no IV FOPADII acesse www.youtube.com/abcdoficial.com