Ansiedade e depressão fazem parte do conjunto de sintomas mentais que precisam ser bem administrados por médicos e pacientes com DII
Os transtornos mentais e o trauma psicológico provocados diretamente ou indiretamente pela pandemia de SARS-CoV-2 têm sido considerados como a ‘quarta onda’ do problema que começou em março de 2020.
Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde com 17.491 indivíduos adultos, divulgada em novembro do ano passado, já indicava que a ansiedade era o transtorno mais presente entre os participantes, seguido de estresse pós-traumático e depressão grave.
A pesquisa ‘Covid-19 saúde mental: usando a tecnologia digital para avaliação das consequências da pandemia’, realizada por um grupo multidisciplinar de pesquisadores do Laboratório de Psiquiatria Molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, confirmou que cerca de 80% dos brasileiros sentem-se mais ansiosos, 68% têm sintomas depressivos, 65% expressam sentimentos de raiva, 63% apresentam sintomas somáticos e cerca de 50% relatam alterações no sono. Este foi o primeiro estudo brasileiro publicado em revista internacional sobre o tema.
“A pandemia teve um impacto negativo sobre a saúde mental da população adulta em geral, e os dados da nossa pesquisa revelaram uma prevalência importante de sintomas depressivos, ansiosos e de estresse pós-traumático. Outros aspectos, como solidão e tristeza, também foram relatados por outros pesquisadores como prevalentes na população brasileira neste período”, afirma o pesquisador Jéferson Ferraz Goularte, pós-doutorando de Psiquiatria e Ciências do Comportamento da UFRGS, primeiro autor do estudo que teve como orientadora a professora doutora Adriane R. Rosa.
Um dos motivos apontados pelos pesquisadores para o aumento desses transtornos foi a divulgação em massa de informações sobre a pandemia por diversos meios de comunicação, principalmente pelas redes sociais – algo único na história, considerando outras crises sanitárias.
Segundo a psiquiatra Fernanda Benquerer Costa, Referência Técnica Distrital em Psiquiatria da Secretaria de Estado da Saúde do Distrito Federal, médica do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e diretora da Associação Brasileira de Estudos e Prevenção do Suicídio (ABEPS), mais do que o excesso de informação, a grande quantidade de desinformação (mensagens falsas, parcialmente verdadeiras ou retiradas de contexto) confunde e assusta as pessoas.
“Por isso, é importante buscar fontes confiáveis, como a comunicação oficial de grandes universidades e institutos de pesquisa especializados, estar alerta para não repassar informação não verificada e procurar conhecer as agências sérias e especializadas em confirmar a veracidade das mensagens que circulam na internet”, orienta.
Autora da nota informativa ‘A saúde mental em meio à pandemia de Covid-19’, a psiquiatra ressalta que a população foi atingida de formas diversas por diferentes fatores, como história prévia, condições de manter distanciamento social e de atender às necessidades básicas, o próprio risco e o adoecimento pela doença.
Ao longo do tempo, também foi possível perceber tanto a adaptação de alguns indivíduos à nova realidade quanto o desencadeamento de transtornos com impacto mais prolongado. “Inicialmente tivemos um momento de medo, ansiedade, insegurança e várias outras reações coletivas.
Agora, estamos analisando outros dados, especialmente em relação ao desencadeamento de transtornos mentais de impacto prolongado, como depressão, abuso de substâncias e risco de suicídio”, alerta.
Mulheres e jovens
A pesquisa da UFRGS revelou, ainda, que as mulheres foram mais suscetíveis a manifestar sintomas depressivos e ansiosos, confirmando outros estudos que relataram achados similares. “Os sintomas depressivos e ansiosos também foram agravados nos mais jovens e acima de 18 anos.
Uma explicação pode ser a insegurança com o futuro, principalmente relacionada ao início no mercado de trabalho, escolha do campo profissional e ingresso no ensino superior”, detalha Jéferson Ferraz Goularte.
Os especialistas também estão preocupados em saber como a população poderá ter acesso aos serviços de saúde mental depois da pandemia, porque uma das consequências das medidas restritivas foi a redução de atendimentos na área para quem já fazia tratamento. Outra preocupação é a capacidade do sistema de saúde em acomodar uma demanda futura por atendimento psicológico e psiquiátrico.
Inteligência e resiliência
O médico Walter Ferreira de Oliveira, um dos coordenadores da Rede Recovery Brasil e professor titular do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), não classifica os sintomas apresentados por parte da população como transtorno mental, mas concorda que há um sentimento de angústia e ansiedade que, com o tempo e à medida em que o mundo conseguir ter uma sensação de controle sobre a Covid-19, deverá passar.
“Penso que sobrou um equilíbrio entre essa visão de fragilidade que se instalou, especialmente de quem não tinha essa percepção e, agora, se vê mais frágil. Por outro lado, também emergiu a capacidade humana de adaptação, de controle e, principalmente, uma maior consciência de que precisamos ter meios competentes, inteligentes e bem orientados, do ponto de vista ético e social, para superar as dificuldades humanas perante a natureza que virão daqui para frente”, ressalta.
Atenção à saúde mental!
Diversos fatores são importantes para manutenção da saúde mental, incluindo seguimento de tratamento especializado por aqueles já diagnosticados com algum sintoma psiquiátrico, adoção de estilo de vida que inclua atividade física, alimentação saudável, horas de sono suficientes para descanso pleno, envolvimento em atividades prazerosas e ter alguém para conversar, entre outras ações que permitam o convívio social.
Por outro lado, alguns hábitos como uso de drogas, ingestão excessiva de bebida alcoólica, sedentarismo, má alimentação, poucas horas de sono e ausência de rotina podem impactar de maneira negativa a saúde mental. “De maneira geral, pessoas com doenças crônicas e sintomas ansiosos necessitam de avaliação por um profissional de saúde mental para identificação de gatilhos e necessidade de medicação para alívio de sintomas.
Assim, o atendimento psicológico ou psiquiátrico é complementar ao tratamento principal e visará reduzir as crises associadas ao aumento da ansiedade”, orienta a professora Adriane R. Rosa.
A psiquiatra Fernanda Benquerer Costa acrescenta que também é importante perceber a ansiedade e buscar ajuda quando o sintoma ocorre.
“Nem toda ansiedade é patológica, mas é um sinal de alerta que precisa ser percebido e não ignorado”, orienta, ao enfatizar que muitas pessoas temem procurar um profissional de saúde mental quando apresentam sintomas, por estigma, medo de ficar dependentes de medicamentos ou outras razões. Portanto, a orientação mais importante é compartilhar o que está sentindo com outras pessoas e buscar ajuda.
Caso os sintomas estejam impactando o dia a dia, o funcionamento das atividades usuais de estudo, trabalho ou relacionamentos, a ajuda profissional está indicada, porque são esses os profissionais qualificados para identificar, avaliar e tratar a ansiedade e, assim, melhorar a qualidade de vida. Além disso, os medicamentos, quando indicados e acompanhados por especialista, são bastante seguros e fazem a diferença na vida dessas pessoas.
Cuidado com o estresse
O efeito do estresse crônico sobre o desenvolvimento de depressão, ansiedade e outros transtornos mentais vem sendo estudado na Psiquiatria há algum tempo, e existe um entendimento de que esse estresse pode afetar o sistema imune e modular o funcionamento neuronal, com consequente alteração da capacidade de percepção e reação a situações adversas. A ajuda profissional é recomendada para pessoas com sintomas crônicos de estresse, pois podem indicar dificuldade em lidar com fatores externos.
“De maneira geral e complementar ao tratamento profissional, ter alguém para conversar e compartilhar os pensamentos, praticar atividade física regular, buscar manter um padrão alimentar saudável, ter uma rotina regular de sono, entre outras medidas, podem auxiliar na redução do estresse”, sugere a professora Adriane R. Rosa.
Sem medo de procurar ajuda
Nem sempre é fácil identificar os sinais precoces de sofrimento emocional pelo próprio indivíduo, mas, de maneira geral, é útil observar mudanças em aspectos da rotina diária, incluindo aumento ou redução das horas de sono, redução de apetite, desinteresse por atividades antes prazerosas, menor contato com amigos e familiares e aumento do consumo de bebidas alcoólicas, entre outros sinais que demonstrem um comportamento diferente ao usualmente percebido como saudável.
“Também podem aparecer sintomas emocionais, como ansiedade ou tristeza constantes. Algumas vezes, os sintomas cognitivos chamam a atenção, e a pessoa pode apresentar dificuldade de concentração ou memória e pensamentos negativos automáticos”, alerta a médica Fernanda Benquerer Costa. Outra possibilidade são os sintomas chamados somáticos, como alterações de sono, apetite, libido e dores no corpo.
A médica explica que cada pessoa reage de maneira diferente, mas é importante buscar ajuda para identificar o que está acontecendo. “De maneira geral, os vínculos pessoais e sociais saudáveis, e os ambientes que permitem a expressão pessoal e incentivam comportamento de cooperação e oferecem apoio são mais protetores.
O sentimento de pertencimento, bem como o comportamento de busca de ajuda, também são protetores, assim como a flexibilidade cognitiva – que é a habilidade de buscar ou construir alternativas ao que está posto para a resolução de problemas.
E isso é possível de ser criado ou desenvolvido. Nem sempre é um processo rápido ou simples, mas pode fazer muita diferença”, ressalta. Ambientes mais violentos ou coercitivos, com menor autonomia, tendem a aumentar o risco, assim como a solidão, a sensação de não pertencimento a um grupo ou de não aceitação. Outra recomendação da psiquiatra Fernanda Benquerer Costa é não negligenciar os próprios sentimentos e as emoções.