Aspectos psicossociais da DII na adolescência

Aspectos psicossociais da DII na adolescência

Nesta fase da vida, os impactos físicos têm intensos efeitos psicossociais e, frequentemente, resultam em danos emocionais que requerem atenção específica

Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) considera a infância até 12 anos de idade incompletos e define a adolescência como a faixa etária de 12 a 18 anos. Esta fase da vida é de grande importância para a construção de valores e para o desenvolvimento de adultos saudáveis física e emocionalmente, e é marcada por momentos de estudo, lazer e forte convívio social para a construção de redes sociais de identificação e apoio mútuo.

No entanto, parte das crianças e adolescentes ao redor do mundo terão de conviver com uma doença inflamatória intestinal (DII) desde bem cedo. A DII pediátrica (DIIPed) pode ocorrer em qualquer idade e, em 25% de todos os pacientes, tanto a retocolite ulcerativa quanto a doença de Crohn se desenvolvem antes dos 20 anos de idade. Administrar sintomas, consultas, exames e medicações é um pesado desafio nesta fase da vida.

No âmbito individual, a adolescência é um momento de crises e conflitos por ser um período de grandes transformações físicas, psíquicas e sociais. Além disso, é o período de construção de valores, da tomada das decisões e de desenvolvimento da autoestima e autoconfiança.

Por ser uma fase de autoafirmação, o adolescente precisa da aproximação e identificação com seus pares, o que ocorre por meio da comparação de características relacionadas à constituição corporal, ao desenvolvimento sexual, a roupas, jogos e ídolos.

Segundo a médica Elizete Aparecida Lomazi, professora doutora assistente do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora da Residência Médica na área de Gastroenterologia Pediátrica da Instituição, inserido em uma sociedade que cultua exageradamente o corpo como a atual, o adolescente com DII poderá sofrer frustrações, pois seu corpo não se desenvolverá como o dos seus pares, o desenvolvimento sexual poderá ser retardado e seus atributos físicos poderão ficar c­omprometidos.

“Neste cenário psicossocial, o adolescente fica propenso a desenvolver baixa autoestima, insegurança, depressão, raiva e ansiedade, sentimentos que provocam isolamento e dificuldade de adaptação social”, alerta. Por todos os fatores que envolvem a adolescência, o enfrentamento da DII nesta fase deve ser feito por meio de atitudes que facilitem a adaptação a um estilo de vida saudável nos aspectos alimentares, do sono e da prática de atividades físicas.

A família deverá enfrentar dificuldades para organizar-se emocionalmente no sentido de apoiar o enfrentamento da doença, evitando a infantilização do paciente. Mas é fundamental estimular o autocuidado, a responsabilização sobre a adesão às medicações e outras necessidades terapêuticas desses jovens que têm de conviver com a DII, com a necessidade sistemática de utilizar medicações e de perceber sintomas de alerta para uma reagudização da atividade da doença.

A chefe do Serviço de Gastroenterologia Pediátrica da Universidade Federal da Bahia e presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Luciana Rodrigues Silva, acrescenta que o impacto das DII na vida de crianças e adolescentes é realmente bastante significativo, sobretudo nas formas mais graves da doença quando, além de haver comprometimento do crescimento e da maturação sexual, podem ocorrer dificuldades na socialização, na escolaridade, no acompanhamento e na adesão ao tratamento, inclusive com problemas relacionados ao bullying.

“Em geral, o problema emocional ocorre mais com adolescentes em razão de ser uma fase de autoafirmação e descobertas, o que pode trazer inseguranças na socialização e na vida sexual. É muito importante o amparo da família e até o conhecimento de outros pacientes na mesma faixa etária para que possam trocar experiências”, orienta.

Por isso, os especialistas que acompanham esses pacientes precisam estar atentos não só às condições relacionadas com as manifestações e complicações das doenças inflamatórias intestinais, como também aos vários aspectos do processo da infância e adolescência, assim como imunizações, socialização, questões do desenvolvimento puberal e sexual, relações intrafamiliares e escolaridade.

A presidente da SBP destaca que pacientes com essas condições precisam ser avaliados periodicamente a fim de que possam atravessar bem o período da adolescência e fazer a transição adequada para a vida adulta, quando passarão a ser acompanhados por médicos de adultos. Esta transição deve ser feita progressivamente com interlocução entre os pediatras, hebiatras e especialistas de adultos.

“Para qualquer idade, o profissional de saúde deve ser próximo e acolhedor, responder às dúvidas e, sempre que detectar problemas emocionais mais graves, solicitar a avaliação psicológica ou, eventualmente, psiquiátrica”, ensina, ao acentuar que o acompanhamento deve ser feito, preferencialmente, por uma equipe multidisciplinar.

A professora Elizete Aparecida Lomazi acrescenta que o profissional da saúde que atende pacientes com DIIPed deve apresentar uma atitude que inspire confiança, incentivando o paciente a manter o autocuidado e a responsabilizar-se por suas necessidades terapêuticas, além de incentivar a preocupação em prevenir doenças sexualmente transmissíveis e gravidez indesejada. Ao adolescente contestador e desafiador, deve ser mostrada a ineficácia dessa postura e tentar esclarecer quais são os limites impostos pela doença.

A capacidade de adaptação à condição varia de um paciente para outro, mas todos precisarão de apoio da família e do médico. Também é importante identificar quais projetos futuros foram interrompidos pela doença e ajudar a encontrar alternativas para que, mesmo com limites, esses projetos sejam alcançados. “Devemos lembrar a esses jovens que períodos ruins existem, mas são menos frequentes e mais curtos que os períodos assintomáticos, e que há uma evidente e constante procura científica por drogas mais eficazes, a fim de cultuar a positividade e a esperança”, enfatiza.

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Protocolos e condutas

Todos os procedimentos de investigação das DIIPed são baseados em protocolos e guias de conduta recomendados pelas sociedades internacionais e nacionais de Gastroenterologia Pediátrica, e essas recomendações devem ser seguidas estritamente para que os diagnósticos sejam feitos sem atraso. Nesses protocolos, o médico verificará a necessidade de avaliar o grau e a localização do envolvimento intestinal, identificar a estratégia terapêutica individualizada para cada paciente, tomar atitudes com o objetivo de prevenir complicações da doença e do tratamento.

Além disso, o médico deve reconhecer as especificidades psíquicas e emocionais do paciente e preparar-se para estabelecer uma parceria positiva com o mesmo e sua família, respeitando individualidades e aspirações, promovendo a aceitação do diagnóstico e a adesão a todos os aspectos da terapêutica. Na maioria dos casos, a adesão aos protocolos terapêuticos disponíveis permite que o adolescente tenha uma vida social similar à de jovens sem DII.

“Um estilo de vida saudável é importante no controle da DII pediátrica. Crianças e adolescentes devem fazer exercício físico regularmente e aderir a uma dieta saudável. A maioria das crianças também pode frequentar regularmente a escola e participar de atividades esportivas diárias quando a doença é tratada e conduzida adequadamente”, ressalta a professora Elizete Aparecida Lomazi.

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Sintomas são variados nesta fase

A etiologia das DII decorre de defeitos nas vias inflamatórias do sistema imunológico, a expressão clínica é altamente variável, implica em uma diver­sidade de tratamentos e apresenta prognósticos muito variados entre os pacientes. O impacto das doenças inflamatórias intestinais pediátricas é verificado no crescimento e desenvolvimento da criança, com redução significativa da velocidade de crescimento em altura e ganho de peso, assim como atraso da maturação puberal.

Os pacientes também podem ter manifestações que acometem outros órgãos e sistemas, como artrites, alterações hepáticas ou dermatológicas. Na adolescência, os impactos físicos têm intensos efeitos psicossociais e, frequentemente, resultam em danos emocionais que requerem atenção específica.

“Retocolite ulcerativa e doença de Crohn representam as duas formas mais comuns da doença inflamatória intestinal pediátrica. Embora sejam doenças crônicas sem possibilidade de cura, são passíveis de controle”, garante a professora Elizete Aparecida Lomazi.

Em geral, os marcadores clínicos das DIIPed são diarreia crônica, sangue nas fezes, fístulas ou abscessos perineais e dor abdominal. Contudo, outros sinais permitem a suspeição diagnóstica, como a anemia crônica, o despertar noturno com dor abdominal ou diarreia e o retardo de crescimento.

As doenças inflamatórias dos intestinos evoluem com envolvimento inflamatório sistêmico (de muitos outros órgãos e sistemas), e outras manifestações extraintestinais podem estar presentes, sendo mais frequentes dores articulares, psoríase e vermelhidão ocular persistente.

“Os pacientes pediátricos têm maior potencial para desenvolverem formas mais graves e mais extensas de DII que os adultos e, portanto, para não haver comprometimento do crescimento e desenvolvimento, é necessário o diagnóstico precoce e correto, assim como o tratamento adequado”, alerta a presidente da SBP, Luciana Rodrigues Silva.

Uma das confirmações sobre essa maior gravidade veio de investigadores da Universidade de Copenhage, na Dinamarca, que realizaram um estudo de base populacional para avaliar se a doença inflamatória pediátrica era, de fato, mais agressiva que a DII de início na vida adulta. O estudo envolveu 333 pacientes com doença de início na faixa etária pediátrica (diagnóstico antes dos 15 anos de idade) e 449 pacientes diagnosticados após os 18 anos de idade.

Os resultados mostraram que a doença pediátrica acomete maiores extensões intestinais, requer tratamento com drogas de última geração com maior frequência que a doença do adulto, tem maior probabilidade de necessitar de cirurgia e maior frequência de recaídas em sua evolução.

Para a professora Elizete Aparecida Lomazi, os maiores riscos da DII nesta faixa etária estão relacionados às dificuldades de adesão à terapia medicamentosa e nutricional, necessidade de seguir um estilo de vida com horários regulares de sono e sem excessos alimentares.

A recomendação é manter uma dieta saudável e sem restrições específicas, com uso de suplemento alimentar desde que prescrito por médico ou nutricionista – os suplementos têm efeitos nutricionais benéficos e podem, em determinadas circunstâncias, ter ação anti-inflamatória.

“É fundamental fazer uma avaliação nutricional periódica para dosagem de cálcio, vitamina D, ferro e ferritina, e para verificar se a dieta está balanceada de modo adequado. Também é muito importante estimular a prática da atividade física sempre que crianças e adolescentes estiverem em remissão”, complementa a médica Luciana Rodrigues Silva.

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Atenção

A? falta de adesão ao tratamento, a demora da procura de auxílio médico, o fato de já serem portadores de formas mais graves da doença ou de doença de longa duração, a não resposta ou a perda de resposta de tratamentos prévios são fatores que conferem gravidade adicional à DIIPed.

Adolescentes com DIIPed devem ser orientados a cuidarem do corpo e de suas medicações, receber orientação sexual adequada e serem informados sobre as fontes confiáveis de informação sobre as doenças inflamatórias intestinais, para se tornarem adultos capazes.

Geralmente, é na escola que as situações de bullying costumam ser mais comuns. O médico pode adiantar-se a esses efeitos indesejáveis e orientar a família para reunir-se com a direção da escola e esclarecer sobre algumas necessidades específicas do paciente, que deve estar presente nessa conversa de acolhimento e aceitação.

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