Falta de conhecimento e de profissionalização pode colocar pacientes e trabalhadores em risco
Dados oficiais mostram que, nos últimos 60 anos, o número absoluto de idosos no mundo aumentou nove vezes e as estimativas indicam que a população mundial continuará vivendo mais devido a inúmeros fatores, entre os quais maior acesso a serviços de saúde, a medicamentos e procedimentos que controlam doenças crônicas.
No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calcula que o número de idosos deverá saltar de 9,5% para 21,8% da população, com mais de 40 milhões de pessoas acima de 60 anos em 2050. A longevidade levou ao surgimento de uma nova carreira – a de cuidadores de idosos.
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, desde 2007 a área cresceu mais de 500%, sendo a que mais se destaca em termos de demanda no Brasil atualmente.
Entretanto, uma pesquisa do Instituto Lado a Lado pela Vida realizada com 2.534 cuidadores brasileiros (2.047 familiares e 487 profissionais), de todas as regiões do País, mostrou que uma grande parte dos cuidadores ainda é formada por familiares.
Desenvolvida em parceria com a revista Veja Saúde e o Laboratório Novartis, a mostra intitulada ‘Cuidadores do Brasil’ também apurou que 80% dos cuidadores familiares não têm cursos na área da saúde, o que aumenta ainda mais a responsabilidade de quem precisa enfrentar uma jornada de trabalho diária longa, muitas vezes com poucos recursos financeiros e materiais.
Dos entrevistados, 48% também disseram sofrer com estresse e 20% com insônia, além de relatos de dores e lesões por esforço repetitivo (LER), o que demonstra o impacto sobre a saúde emocional e física desses indivíduos.
A pandemia trouxe impactos ainda mais significativos para a vida dos cuidadores não profissionais, segundo levantamento do Embracing CarersTM, programa global apoiado pela farmacêutica Merck. O Índice de Bem-Estar do Cuidador Não Profissional de 2020 foi coletado em 12 países, incluindo o Brasil, e ouviu 9 mil cuidadores.
Em comum, relatos de pessoas que deixaram de realizar atividades do dia a dia como se alimentar corretamente, dormir o suficiente e socializar para se dedicarem integralmente ao indivíduo que estava sendo cuidado. Devido a essa dedicação excessiva que pode perdurar por longos anos, os cuidadores acabam sendo levados a um profundo desgaste físico e mental.
Também é comum que desenvolvam o chamado ‘estresse do cuidador’, uma condição de tensão emocional decorrente do trabalho que executam.
A presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, Marlene Oliveira, afirma que há um grande contingente de pessoas no Brasil que abrem mão de suas atividades para cuidar de um familiar ou conhecido que enfrente uma doença cardiovascular, um câncer ou uma enfermidade crônica e rara, além de bebês, crianças, idosos e adultos com alguma incapacidade temporária ou permanente.
E o objetivo da pesquisa era entender melhor como é a jornada desse cuidador e suas necessidades. O resultado confirmou a importância desse contingente de brasileiros e os colocou em um outro patamar no cenário da saúde. “Desde a criação do Instituto Lado a Lado pela Vida temos observado o relevante papel dos cuidadores, sejam familiares ou profissionais, na jornada dos pacientes e no cuidado de idosos.
Acreditávamos que seria importante saber como aqueles que cuidam de alguém gerenciam as suas rotinas e queríamos dar visibilidade aos desafios enfrentados por eles.
Outro fator relevante é que não havia no Brasil dados disponíveis sobre o cotidiano e a atuação dos cuidadores, o que levou a pesquisa a tornar-se um marco para o País e uma referência”, ressalta.
A médica geriatra Maisa Kairalla, coordenadora do Ambulatório de Transição de Cuidados da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), acredita que o fato de a pesquisa indicar que 80% dos cuidadores familiares não têm formação na área de saúde ou recursos para pagar um cuidador profissional torna-se outro grande problema, porque todo idoso deve ter um gerenciamento uma vez que, se for mal cuidado – seja por maus-tratos ou pela falta de capacidade técnica do cuidador – as doenças e dificuldades podem ser agravadas.
“Realmente há um aumento expressivo no número de idosos, principalmente com doenças crônicas. E a preocupação é saber se teremos cuidadores capazes, em número e qualificação, para ajudar tanta gente.
Os maiores desafios consistem em estarem capacitados para cuidar de uma população tão longeva e com tantas doenças crônicas e, mais do que isso, se em um futuro não longo será uma profissão reconhecida. Acho que precisamos pensar nisso para que tenhamos um maior número de cuidadores com mais capacidade técnica no tratamento do idoso”, argumenta.