Além do adoecimento corporal, as doenças inflamatórias intestinais sofrem influência de fatores emocionais
A doença inflamatória intestinal não é caracterizada apenas por manifestações intestinais e extraintestinais, mas também por alterações psicológicas que se refletem nos relacionamentos, nas atividades sociais e no trabalho.
Ao conviver com sintomas desagradáveis, como diarreia, cólicas intestinais, sangramentos e outras possíveis complicações – a exemplo de estenoses e fístulas –, os pacientes são submetidos a um alto grau de desconforto e estresse e, por isso, ficam sujeitos a desenvolver crises de ansiedade e depressão.
E o oposto também pode ocorrer, uma vez que transtornos emocionais tendem a desencadear ou agravar as crises dessas enfermidades. Especialistas afirmam que a abordagem psicanalítica desses fenômenos somáticos ajuda a compreender as doenças físicas e os sintomas corporais como medidas defensivas para que o indivíduo mantenha o equilíbrio emocional.
“Desde a Antiguidade, os médicos tinham conhecimento da influência dos fatores emocionais sobre o corpo e vice-versa. Mesmo Descartes, na sua obra ‘O tratado das paixões humanas’, reformula seu pensamento inicial, dualista, reconhecendo a influência das emoções sobre os sintomas corporais”, ensina a psicóloga clínica Daisy Maldaun, autora dos livros Retocolite Ulcerativa no Idoso: sintomas, evolução e influência das emoções (Ed Alíne, 2007); Doenças inflamatórias Intestinais (DII): influência dos aspectos emocionais, psicossociais e ambientais (Ed. Exceção, 2015); Quem é o paciente com doenças inflamatórias intestinais (DII): como minimizar seu sofrimento (Ed. Exceção, 2017); e Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) no Idoso – A influência das emoções e sua relevância no surgimento e evolução da enfermidade (Ed. Exceção, 2018).
A psicóloga acrescenta que, embora a reação a fatores estressantes seja diferente em cada indivíduo – uma vez que o ser humano é único em sua forma de ser, de sentir as emoções e de adoecer – toda emoção negativa vai repercutir no agravamento da sintomatologia das doenças e tem uma real influência nas crises de DII. “Independentemente de a doença ser crônica ou não, a sua aceitação já é o presságio de uma possível melhora. No entanto, nos pacientes com DII a ausência de controle sobre a sintomatologia é um dos fatores que pode levá-los a deprimir”, acentua.
Outro fator que influencia o problema pode estar relacionado à quase ausência de neurotransmissores como dopamina, noradrenalina e, principalmente, serotonina, que representam um papel importante no sistema nervoso central para a inibição de humor, sono, vômito e apetite.
A inibição desses neurotransmissores está diretamente relacionada com os sintomas da depressão nas DII, uma vez que a produção dessas substâncias ocorre no intestino que, no caso das doenças inflamatórias intestinais, se encontra enfermo.
Angústias
Ao longo da vida, todas as pessoas enfrentam situações inesperadas geradoras de intensas angústias, como a morte de um ser amado, a perda do emprego, uma condição financeira precária, separações ou momentos de impasse.
Segundo a psicanalista Denise Steinwurz, membro da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, coordenadora de grupos de suporte da ABCD, autora de vários artigos em revistas e livros especializados e palestrante em congressos nacionais e internacionais se, por um excesso, essas angústias não puderem ser ‘digeridas’, transbordarão para o corpo, que adoecerá.
Quadros de hipertensão arterial grave, diabetes, dermatites, fibromialgia, enfermidades autoimunes – a exemplo de lúpus e vitiligo –, e doenças gastrointestinais como gastrite, retocolite ulcerativa ou doença de Crohn estão entre as enfermidades que tendem a se manifestar em épocas de conflito.
“Essas situações remetem à profunda dor mental, e a dificuldade de tolerar a dor leva o indivíduo, muitas vezes, a utilizar seu próprio corpo para defender-se, gerando enfermidades que podem se instalar como doenças crônicas com graus diversos de incapacidade na vida pessoal e profissional e colocando, muitas vezes, a vida em risco”, adverte.
No caso das DII, a psicanalista afirma que é possível observar com clareza uma relação entre ansiedade e recidiva da doença, com crises suaves ou intensas. Isso ocorre porque os sintomas, que estavam até então adormecidos em uma fase de remissão, tendem a se manifestar ativamente quando a ansiedade e a angústia tomam conta do estado geral do paciente, ativando a doença.
Diante da crise, muitas vezes, a rotina de trabalho e os compromissos ficam alterados, o que também gera certo estresse e, muitas vezes, depressão. “Uma das importantes aquisições do desenvolvimento psíquico é a capacidade de simbolização.
Entretanto, a capacidade de elaborar conflitos por meio de processos psíquicos depende do grau de complexidade que alcançou um indivíduo em sua estrutura emocional. Quando há falhas nesse processo, isso pode resultar na somatização dos sofrimentos psíquicos. Na ausência do símbolo e da palavra, é no corpo que se manifestarão”, esclarece Denise Steinwurz.
Psicoterapia é um instrumento importante no trabalho com os pacientes
Partindo do princípio de que as DII têm repercussões emocionais, tanto no aparecimento dos sintomas quanto em seu agravamento, a psicoterapia é um instrumento importante no trabalho com esses pacientes. As especialistas reforçam que somente assim será possível elaborar conteúdos internos, tanto conscientes quanto inconscientes que, quando não simbolizados, podem expressar-se no corpo por meio de manifestações clínicas.
Nessas circunstâncias, o objetivo de um atendimento psicoterápico será criar condições favoráveis e necessárias para ampliar o repertório psíquico do paciente, de modo que possa pensar em seus conflitos em vez de depositá-los no corpo.
A psicanalista Denise Steinwurz lembra que, embora do ponto de vista físico os sintomas da doença sejam similares em vários pacientes, sob o aspecto psíquico as causas podem ser diferentes. Daí a importância de um trabalho psicanalítico para que o indivíduo possa desenvolver-se e, com isso, tentar minimizar os sintomas. Se o médico responsável achar necessária a utilização de fármacos, o paciente deve procurar a ajuda de um psiquiatra e, se o paciente sentir a necessidade de uma maior compreensão sobre o significado da doença e o que o levou a adoecer, então a escolha recai sobre o psicólogo.
“O mais importante é que o profissional da saúde acolha esse paciente que se encontra em sofrimento sem críticas ou julgamentos, apenas na postura de compreender e ajudar”, acrescenta a psicóloga Daisy Maldaun. Outra atitude considerada importante para os pacientes é participarem de grupos de suporte que possibilitam expressarem sentimentos, elaborarem questões e trocarem experiências de vida com indivíduos que apresentam o mesmo tipo de problema.
Nesses grupos, os pacientes se sentirão mais confortáveis para conversar e mais bem acolhidos, pois encontrarão apoio, segurança e sustentação para conviver melhor com a doença. “Nesses encontros, a pessoa pode se ver e se ouvir na fala do outro, pois todos apresentam sintomas e situações de vida semelhantes”, destaca a psicanalista Denise Steinwurz.
Apesar de ser importante tirar as dúvidas com o médico especialista, os grupos de suporte permitem que, na presença do outro, indivíduos com DII possam pensar e dividir histórias e experiências comuns. “Isso nunca será possível com a mesma intensidade em grupos de mídia social, por exemplo, porque virtualmente não receberão o mesmo acolhimento”, acredita a psicanalista Denise Steinwurz.
Entre as recomendações para diminuir o estresse e a ansiedade também estão a prática de exercícios físicos, meditação e atividades de relaxamento – como tai chi chuan, ioga ou massagens relaxantes – que poderão ajudar a promover o bem-estar e a qualidade de vida dos pacientes, desde que a pessoa se sinta confortável com a prática.