Trabalhos foram desenvolvidos no Laboratório de Investigações em Doenças Inflamatórias Intestinais da FCM-Unicamp
A pesquisa ‘Avaliação dos níveis séricos e detecção de anticorpos anti-infliximabe em pacientes com doença de Crohn’ foi premiada como o segundo melhor trabalho do 1º Congresso Brasileiro de Doenças Inflamatórias Intestinais (CBDII), em abril.
O objetivo do estudo, desenvolvido pelo aluno de mestrado Luis Eduardo Miani Gomes, do Programa de Pós-graduação em Ciências da Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), foi quantificar e analisar os níveis séricos do medicamento infliximabe (anti-fator de necrose tumoral alfa – IFX) e dos anticorpos anti-infliximabe (ATI) em pacientes com doença de Crohn, oferecendo uma análise personalizada e individualizada dos pacientes para avaliar o perfil de monitorização desse medicamento em um centro terciário brasileiro e correlacionar com o estado clínico da doença.
O estudo avaliou 40 pacientes com doença de Crohn, de 18 a 60 anos de idade, que fazem acompanhamento no Ambulatório de DII do Gastrocentro Unicamp e usam o infliximabe de forma contínua e regular.
“O manejo clínico e medicamentoso dos pacientes com doença de Crohn é, por vezes, desafiador e, no contexto de um país com graves dificuldades econômicas como o Brasil, torna-se muito relevante desenvolver ações que possam ajustar o uso desses medicamentos de alto custo, de maneira personalizada. Com isso, a intenção é minimizar os gastos diretos e indiretos, bem como os possíveis efeitos adversos”, afirma a professora doutora Raquel Franco Leal, orientadora do trabalho realizado no Laboratório de Investigações em Doenças Inflamatórias Intestinais (LABDII) da Unicamp.
Também assinam o estudo, enviado para publicação em revista indexada, os pesquisadores Francesca Aparecida Ramos da Silva, Lívia Bitencourt Pascoal, Renato Lazarin Ricci, Guilherme Nogueira, Michel Gardere Camargo, Maria de Lourdes Setsuko Ayrizono, Claudio Coy e João José Fagundes.
Os 40 pacientes foram selecionados entre 154 que faziam uso de infliximabe no ambulatório do Hospital de Clínicas (HC) da Unicamp no momento da pesquisa. O HC-Unicamp oferece atendimento específico para os pacientes com DII, e aqueles com doença de Crohn têm direito ao fornecimento gratuito de medicamentos, regulamentado pela Portaria 858/2002 do Ministério da Saúde.
Os selecionados estavam em fase de manutenção do IFX, com as três doses de indução regularmente aplicadas no centro de infusão de medicamentos biológicos do Gastrocentro Unicamp, e tinham realizado exames complementares objetivos (colonoscopia ou enteroressonância) recentemente. A coleta de dados clínicos e de amostra sanguínea periférica para análise dos níveis séricos de IFX e de ATI foi realizada durante os meses de março de 2016 a março de 2017. “Esse foi o primeiro estudo finalizado sobre o tema de monitorização terapêutica nas doenças inflamatórias intestinais realizado na Unicamp.
Outros dois, que estão em andamento, visam a comparação de duas técnicas de detecção distintas e também terão delineamento metodológico que incluirá análise longitudinal, o que permitirá inferir sobre o acompanhamento dos níveis séricos e de anticorpos ao longo do tempo”, informa a professora Raquel Franco Leal.
Os resultados identificaram um grande número de pacientes com níveis séricos de IFX em condições supraterapêuticas, considerados níveis permitidos e ainda seguros. Segundo os pesquisadores, o que não é recomendável são níveis inferiores a 3ug/ml (micrograma por mililitro), pois pode levar à produção de anticorpos no sangue contra o medicamento.
“Mesmo em pacientes em remissão clínica e endoscópica não é recomendável manter os índices abaixo desse nível”, acentua a professora. Além disso, a imunogenicidade não foi a principal causa de perda de resposta após a terapia com IFX, uma vez que a minoria do grupo de pacientes em atividade da doença apresentou ATI positivos, mas todos os pacientes com anticorpos positivos contra a droga, independentemente da atividade da doença, apresentaram níveis indetectáveis de IFX.
A orientadora do estudo explica que, provavelmente, a principal causa de manutenção da doença nos pacientes com níveis séricos de IFX adequados ou supraterapêuticos com ATI negativo é o desenvolvimento de outras vias pró-inflamatórias que não dependem da citocina pró-inflamatória chamada fator de necrose tumoral alfa (TNF-?), que o infliximabe bloqueia. Neste caso, mudar para outra classe de terapia biológica poderia beneficiar o paciente, caso haja necessidade.
Os pesquisadores também verificaram que os níveis séricos de IFX não permitiram induzir sobre a atividade da doença nos pacientes estudados, o que foi verificado igualmente em outros estudos na literatura. “De maneira prática, níveis séricos de IFX diminuídos, abaixo do terapêutico, não foram vistos somente em pacientes em atividade da doença, mas também naqueles em remissão.
O principal resultado da pesquisa é a constatação de que a introdução de monitoramento do anti-TNF-?, incluindo nível de droga e detecção de ATI, pode permitir um tratamento terapêutico mais personalizado com melhor ajuste de dose, ou até mesmo a mudança para outro medicamento com um mecanismo de ação diferente”, ressalta.
Como o estudo foi observacional, outras pesquisas são necessárias para avaliar como as condutas frente aos resultados dos exames de monitorização terapêutica podem afetar o acompanhamento dos pacientes em relação às mudanças da dose ou ao intervalo de administração dos biológicos, assim como eventual mudança de classe de medicamento.
Segundo a professora, a realização de pesquisa do tipo translacional, caracterizada pela busca por compreensão de processos biológicos com aplicabilidade prática, tem um impacto científico maior. Em geral, nesse tipo de pesquisa a utilização de amostras humanas para melhor entendimento desses processos biológicos enriquece muito os achados – sem desmerecer os estudos experimentais pré-clínicos em modelos animais, também realizados no LABDII da Unicamp.
“O estudo com amostras humanas, sem dúvida alguma, é desafiador e merece um maior detalhamento da casuística com boa caracterização, pois a variabilidade dos resultados das diferentes variáveis estudadas é enorme quando comparada aos estudos com animais de experimentação”, acentua.
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Novos caminhos para beneficiar os pacientes
O infliximabe foi o primeiro medicamento biológico para o tratamento da doença de Crohn e é utilizado há mais tempo que os demais, sendo a droga com a qual os centros de infusão têm maior experiência. Entretanto, o grupo de pesquisa já tem outro estudo em andamento com a mesma metodologia, aprovado pelo Comitê de Ética da Unicamp, para avaliar o adalimumabe (ADA), que é outro medicamento biológico com a mesma ação que o infliximabe, porém, com estrutura inteiramente humanizada.
“A tendência futura é a disponibilidade desse tipo de análise para uso assistencial para todos os biológicos, a fim de melhorar o monitoramento terapêutico. No Brasil, ainda são poucos os centros que oferecem esses exames que, na rede pública, são realizados apenas por meio de pesquisas científicas”, ressalta a professora. O Laboratório de Investigações em Doenças Inflamatórias Intestinais da Unicamp é um dos centros pioneiros na realização de pesquisa com dosagens do nível sérico e dos anticorpos anti-droga, que fazem parte de trabalhos de pós-graduação.
A pesquisadora lembra que é fundamental o comprometimento dos alunos de ini-ciação científica, mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos, assim como dos professores/pesquisadores, com os estudos que estão sendo realizados. “Expresso meus agradecimentos à Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e aos demais integrantes do Serviço de Coloproctologia por todo apoio e colaboração nos trabalhos realizados”, enfatiza.
O grupo de estudos orientado pela professora Raquel Franco Leal também ganhou o prêmio acadêmico da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas e outros três prêmios no Congresso Brasileiro de Coloproctologia (1º e 2º melhor Tema Livre e Prêmio Angelita Habr-Gama), em setembro, pelas pesquisas sobre avaliação de vias inflamatórias na mucosa intestinal e tecido adiposo mesenterial na doença de Crohn, outra linha de pesquisa da equipe.