Estima-se que um terço da população mundial possua infecção latente pelo Mycobacterium tuberculosis (ILTB), e enfermidades que cursam com imunossupressão e uso de medicamentos imunossupressores – como as doenças inflamatórias intestinais (DII) – podem levar à ativação da doença. Na maior parte das vezes a tuberculose é pulmonar, mas, nos pacientes com DII, o acometimento extrapulmonar (pleuras, linfonodos, meninges, ossos, rins e outros) também é comum, o que leva muitas vezes ao atraso do diagnóstico pela falta de sintomas respiratórios.
Os sintomas dependem do órgão acometido, entretanto, em todas as apresentações da tuberculose podem ocorrer febre vespertina, sudorese noturna, falta de apetite e emagrecimento. Na tuberculose pulmonar também há tosse persistente (mais de três semanas de duração), que pode ser seca ou produtiva, com ou sem presença de sangue.
O médico Orlando Ambrogini Junior, professor doutor afiliado da Disciplina de Gastroenterologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPMUnifesp), explica que, antes do início do tratamento imunossupressor, deve ser feita a pesquisa de tuberculose latente nos pacientes, por meio do PPD (teste cutâneo que avalia se houve contato prévio com o bacilo da tuberculose) ou teste de liberação de interferon-gama (interferon gamma release assay – IGRA, na sigla em inglês), teste sanguíneo que também avalia contato prévio com o bacilo e que agora faz parte do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da Agência Nacional de Saúde.
“Diagnosticar a tuberculose latente antes do início da terapia imunossupressora é de extrema importância, porque pode evitar o desenvolvimento de uma doença potencialmente grave”, orienta. Além disso, quando ocorre a tuberculose ativa é necessário que o tratamento da DII seja interrompido por certo período para que haja controle do quadro infeccioso.
Desta forma, o paciente corre o risco de entrar em atividade da DII e não poderá usar a terapia mais adequada. Por isso, a aprovação do IGRA para rastreamento de ILTB em DII é considerada tão importante.
Segundo o professor, nos pacientes com DII que utilizam terapia imunossupressora, como os agentes anti-TNF, há mais casos de reativação de tuberculose latente do que na população geral. O fator de necrose tumoral (TNF) é uma citocina inflamatória que participa do processo de contenção do bacilo nos pulmões para que a tuberculose não se desenvolva.
E, embora a terapia antiTNF seja responsável por importantes avanços no controle das doenças inflamatórias intestinais, ao bloquear o TNF a defesa contra o bacilo fica prejudicada, facilitando que ocorra sua proliferação e disseminação. Nesses casos, há maior possibilidade de quadros disseminados.
“Não há muitos dados sobre o número de pacientes que desenvolvem tuberculose ativa na DII. Mas um estudo feito na Unifesp apontou que, mesmo que os testes pré-tratamento não indiquem a presença de ILTB, após o tratamento com medicação anti-TNF essa chance é de aproximadamente 6%”, informa a pós-graduanda nível doutorado da Disciplina de Gastroenterologia da Unifesp, Luciana Miguel Gomes de Barros. Por esse motivo, os médicos que atendem pacientes com DII devem estar atentos aos exames pré-tratamento imunossupressor para diminuir a possibilidade de desenvolvimento de tuberculose ativa.
Além do IGRA, são recomendados exames como PPD (triagem padrão para identificar a presença de infecção pelo M. tuberculosis) e radiografia de tórax. Para a investigação de tuberculose ativa é necessário procurar pelos sintomas da doença.
Caso haja suspeita, podem ser necessários exames como teste de escarro, radiografia ou tomografia de tórax e broncoscopia com lavado brônquico e/ou biópsia. “Estar atento aos sintomas e realizar procura persistente para tuberculose são mandatórios para pacientes sob terapia imunossupressora, principalmente se um agente anti-TNF estiver sendo usado”, acentua o professor.
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Vantagens do IGRA em relação a outros exames para detecção da doença
O IGRA apresenta algumas vantagens em relação ao PPD (que ainda é o exame mais realizado no Brasil para rastreamento de tuberculose latente):
- Não apresenta reação cruzada com a vacina BCG;
- Tem alta especificidade para o tuberculosis, não sendo alterado por infecções por outras micobactérias;
- Seu resultado não é afetado pela imunossupressão (PPD pode ser falso-negativo nesses casos).
Saiba mais!
- A tuberculose primária ocorre quando o adoecimento do paciente acontece logo após a infecção pelo tuberculosis. Quando há reativação do bacilo em um paciente que apresentava infecção latente, a doença é chamada de pós-primária ou secundária.
- Quando um indivíduo recebe, pela via respiratória, uma carga de bacilos que se aloja nos pulmões, é necessário um sistema imunológico competente para impedir o desenvolvimento da doença ativa. Crianças e pacientes imunossuprimidos têm a resposta imunológica menos fortalecida, o que faz com que tenham dificuldade em deter o processo de proliferação do tuberculosis e a instalação da doença.
- Nos pacientes imunocomprometidos, cujos mecanismos de defesa contra o tuberculosis estão enfraquecidos, se a tuberculose latente tornar-se ativa a chance de desenvolver um quadro grave é muito alta. Isso pode ser evitado por meio do diagnóstico da ILTB e tratamento dessa condição antes do início da terapia imunossupressora. A droga mais utilizada para isso é a isoniazida, mas já existem estudos de dupla terapia associada à rifampicina.
- A vacina BCG protege contra o desenvolvimento de formas graves de tuberculose, ou seja, a pessoa pode contrair o bacilo e, caso desenvolva a doença, será mais branda. Porém, nos usuários de terapia imunossupressora, como os anti-TNF, o sistema imunológico está alterado, permitindo assim que quadros mais graves ocorram.
- A vacina pneumocócica protege contra o pneumococo, outra bactéria que causa doenças como pneumonias ou meningites, não protegendo contra a tuberculose.
- Em geral, o tratamento de pacientes com DII que desenvolvem tuberculose é o mesmo dos demais. O tratamento é feito com esquema RIPE, com uso de rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol por dois meses na fase intensiva; e de rifampicina e isoniazida por quatro meses na fase de manutenção – e pode durar entre 6 e 12 meses. O tratamento é oferecido exclusivamente pelo SUS para controle dos casos e vigilância epidemiológica.