As mais comuns incluem episclerite, esclerite e uveíte, que acometem principalmente pacientes com doença de Crohn
Enfermidades crônicas imunomediadas por terem um componente autoimune envolvido em seu aparecimento, a retocolite ulcerativa afeta basicamente o intestino grosso enquanto a doença de Crohn pode atingir qualquer parte do trato gastrointestinal.
Por serem uma condição multissistêmica, ambas as doenças também têm a capacidade de afetar os sistemas musculoesquelético, ocular e cutâneo, desencadeando reações e doenças nesses órgãos. As complicações que surgem fora da inflamação intestinal são conhecidas como manifestações extraintestinais (MEIs) e, segundo estudos científicos, resultam em morbidade significativa em pacientes com DII, ainda mais do que a própria doença intestinal.
As MEIs estão presentes em 5% a 50% de todos os pacientes com doença inflamatória intestinal e devem ser identificadas e tratadas adequadamente para evitar complicações para a saúde e a qualidade de vidas. Estudos indicam que o diagnóstico de DII em mulheres com menos de 40 anos de idade é considerado fator de risco para o desenvolvimento de MEI.
O artigo científico ‘Extraintestinal manifestations of inflammatory bowel disease’, publicado neste ano por pesquisadores do Chicago Medical School at Rosalind Franklin University of Medicine and Science, nos Estados Unidos, aponta que a gravidade e a ocorrência de MEIs e sua correlação com a atividade da DII variam, mas a maioria dessas manifestações está diretamente associada a um surto intestinal contínuo – o que inclui úlceras aftosas, artrite idiopática pauciarticular, eritema nodoso e episclerite – enquanto outras MEIs, como espondilite anquilosante e uveíte, são independentes da atividade da doença intestinal. Segundo os autores, alguns estudos apontam que a presença de uma única MEI aumenta a probabilidade de o paciente desenvolver outras adicionais.
Estimativas indicam que 2% a 6% dos pacientes com DII apresentam manifestações oculares, embora os olhos sejam o terceiro tecido extraintestinal mais comum de ser atingido – depois das articulações e da pele. “As manifestações oculares mais comuns são episclerite, esclerite e uveíte. As uveítes e esclerites podem levar a dano na função visual, dependendo da gravidade e do tratamento, além da catarata secundária devido ao uso crônico de corticosteroides sistêmicos”, afirma a médica oftalmologista Cristina Muccioli, professora adjunta livre docente na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Em geral, essas manifestações podem aparecer em qualquer fase da doença – inclusive nas fases iniciais e até mesmo antes do diagnóstico da DII – e os primeiros sinais que devem ser observados são olhos vermelhos, fotofobia, sensação de corpo estranho nos olhos e embaçamento visual.
A episclerite apresenta sensação de queimação ocular, irritação, dor e vermelhidão e deve ser diferenciada clinicamente da esclerite, que é uma condição mais grave com sintomas de dor e sensibilidade ocular intensas. Em casos graves, a esclerite pode, inclusive, levar à deficiência visual e perda permanente da visão caso não seja imediatamente tratada por um especialista. Já a uveíte costuma provocar dor ocular, fotofobia, visão turva e cefaleia.
Embora sejam consideradas mais raras, ceratopatia, retinopatia e coriorretinopatia serosa central também podem ocorrer como manifestações extraintestinais nas DII. Os sintomas são, respectivamente, dor e sensação de corpo estranho nos olhos e opacidade na córnea periférica, que pode afinar e perfurar; oclusão da veia central da retina e descolamento da retina.
“De forma geral, especialistas como gastroenterologistas, oftalmologistas e reumatologistas conhecem a variedade e a severidade das afecções oculares que acometem pacientes com DII, mas, infelizmente, os médicos generalistas não, o que pode atrasar o diagnóstico e agravar os quadros oftalmológicos de alguns pacientes”, adverte a médica Cristina Muccioli.
Tratamento deve ser feito por especialistas
Independentemente do problema, as manifestações extraintestinais oculares requerem orientação de um oftalmologista e tratamento adequado – alguns imediatos – que envolvem o uso de corticosteroides tópicos ou sistêmicos para prevenir complicações, como a perda da visão.
Os casos menos graves se beneficiam da terapia com esteroides tópicos aliada ao controle da DII, pois a episclerite e a esclerite se correlacionam com a atividade da doença intestinal. Embora tenham tratamento, geralmente essas MEIs não têm cura e são intercaladas de episódios de remissão e recidivas.
“O exame oftalmológico periódico feito pelo especialista é a melhor maneira de prevenir os problemas. Não há uma rotina, porém, esses pacientes devem ser avaliados sempre que diagnosticados com DII e, posteriormente, em períodos de 3/3 ou 6/6 meses ou sempre que houver sintomas visuais ou exacerbação e recidiva da doença de base. Também é fundamental a interação entre os especialistas que atendem esses pacientes, uma vez que a DII é multissistêmica e deve ser acompanhada por equipe multidisciplinar”, orienta a médica Cristina Muccioli.